São duas oportunidades para quem se interessa pelos cruzamentos culturais em torno do hip-hop e, curiosamente, têm o mesmo nome. Nesta terça, 25, no Itaú Cultural, Shamel Pitts apresenta seu solo Black Box (Caixa Preta) e, começando na quinta, 27, na Galeria Olido, a Cia. Discípulos do Ritmo dança Caixa Preta.
“Eu nunca parto do corpo, mas de uma ideia. Sou louco por cinema e primeiro roteirizo essa ideia para depois apresentá-la aos bailarinos”, afirma Frank Ejara, o fundador da Discípulos. Desta vez, seu interesse foi pelo que se passa em uma sessão de terapia. “Minha mulher é psicóloga e há 20 anos convivo com esse ambiente. Um dia, apareceu a curiosidade: e se colocasse todo o elenco em terapia, mas na forma de dança? Como seria isso? Deu muito trabalho até chegarmos a esse personagem obsessivo.”
Ejara fundou a Discípulos em 1999, com 4 bailarinos. Hoje, são 13 e todos vivem de dança. “Não temos financiamento e sobrevivemos de nossos cachês. Os bailarinos fazem outras atividades com dança, dando aulas, workshops.”
Para ele, não se pode continuar a associar a cultura hip-hop apenas aos afrodescendentes, dada a importância dos latinos na sua constituição. “Sou afrodescendente, mas essa não é a bandeira que quero carregar. Nosso grupo é multicultural. Só agora somos olhados artisticamente e não pelo viés de um trabalho social. Queremos fazer uma arte que interesse a todos.”
Shamel Pitts também é afrodescendente, dança no Batsheva Dance Company de Ohad Naharin, em Tel-Aviv, onde também promove eventos dançantes e edita uma revista cultural. Nascido em NY, é coreógrafo, poeta e professor de gaga, a técnica de dança que Naharin inventou. Sábado, 22, quando falou por Skype com o Estado, estava tomado pela instalação de Ram Katzir, em Amsterdã, que lembra os 140 soldados holandeses executados pelos nazistas no último mês da 2.ª Guerra.
“Quando você encontra as 140 cadeiras vazias e se detém naqueles nomes embaixo delas, o que era apenas beleza vai ficando muito denso. Essa obra se relaciona com a minha cultura de forma contundente, me fazendo perceber a relação com o esquecer e o lembrar.”
Black Box tangencia coisas semelhantes. Vem do livro de poesias de Pitts, Black Box of Red. “Cada página foi escrita em uma das cidades onde dancei com o Batsheva. São perguntas, sensações, opiniões e perguntas de quem vive nesse tempo de brutalidade, de tantos oprimidos em outras culturas.”
Hoje, ele é professor dessa técnica e diz que com esse jeito de fazer dança se descobre como prestar atenção ao que se faz, se descobre uma voz individual e como a delicadeza pode ser explosiva. “Tenho paixão pela arte de ensinar. Aprendo a trabalhar com pessoas diferentes e a fazer dessa troca algo que parece sem fim.”
Black Box é dominada pelo preto e dourado. “Costumo dizer que são 50 tons de preto para me lembrar de meus ancestrais e sua realeza também, dizer de onde venho, do respeito por esses pilares de nossa cultura. A pretidão do homem negro que sou, do mistério, do escuro, do negativo e de muitas outras referências.” Ele não se preocupa com os ruídos que as distâncias culturais podem trazer a quem vê Black Box. “Venho dessa mistura de soul, motown, blues, jazz e rock. Não trato o hip-hop como um assunto, e sim como uma pergunta que preciso responder no meu corpo. E hoje, depois de encontrar com a contundência do trabalho de Katzir, começo a pensar numa forma de mergulhar mais fundo nessa busca.”
Sua Black Box é, ao mesmo tempo, referência às caixas pretas que guardam a memória dos voos de aviões e ao palco teatral. E a Caixa Preta de Ejara traz para esse palco os mistérios da mente humana. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.