Variedades

Chiharu Shiota faz sua 1ª exposição na América Latina

Representante do Japão na 56ª Bienal de Arte de Veneza, a artista Chiharu Shiota faz sua primeira exposição na América Latina, com curadoria da historiadora Teresa Arruda, a partir do dia 12, no Sesc Pinheiros. A exemplo da sala veneziana, ela ocupa com suas instalações um andar inteiro na unidade do Sesc, além do teto sobre as escadas rolantes e a parede externa da fachada do prédio. Em Veneza, ela construiu uma instalação labiríntica imersiva com 50 mil chaves que pendem de uma teia de fios vermelhos. Em São Paulo, ela usa os fios da mesma cor para sustentar 300 pares de sapatos (na fachada) e 200 malas (sobre as escadas rolantes). Os fios pretos ela reservou para tecer uma teia na terceira instalação, formada por 6 mil cartas manuscritas por voluntários brasileiros, que também doaram sapatos. As malas vieram de Berlim, de navio. São usadas e foram compradas pela artista em feiras populares.

Pelo título escolhido por Chiharu não é difícil concluir que sua primeira individual brasileira, Buscando o Destino, fala de viagem, embora de uma viagem interior. A primeira das três instalações, Além dos Continentes, é uma representação metafórica da trajetória pessoal de cada um dos doadores brasileiros que enviaram pares de sapatos gastos com as marcas de passagem pelo mundo, caso também das malas usadas (o título da instalação dá nome à mostra).

A terceira e última instalação, Cartas de Agradecimento, como sugere o título, são mensagens escritas por voluntários, que expressam gratidão. Elas podem ser lidas pelo público e têm um apelo emocional comumente ausente nesse gênero de arte, incorporado ao vocabulário contemporâneo nos anos 1960 para definir obras ambientais de vida efêmera. “Nunca pretendi oferecer ao público uma mensagem racional”, observa a artista. “Antes, sempre desejei criar uma impressão emocional, permitindo às pessoas que sintam primeiro o impacto visual para depois refletir sobre a obra.”

O direito à interpretação é livre e legítimo. Alguém poderá, por exemplo, ver nas duas centenas de malas uma parábola sobre a onda migratória que sacode a Europa, embora Chiharu, ao contrário dos artistas conceituais, não use as peças de suas instalações como objetos indutores de conceitos. Eles são reais, não representações. Quando ela montou a instalação Além dos Continentes em Osaka, pediu aos doadores que enviassem junto aos pares de sapatos uma história qualquer que justificasse a doação, recebendo de um deles um depoimento forte: o calçado já não tinha mais utilidade para o homem; ele perdera a esperança de se livrar da cadeira de rodas.

Nascida em Osaka há 43 anos, Chiharu Shiota começou sua carreira como pintora, mas logo descobriu que o espaço bidimensional era limitado para sua ambição. Aos 24 foi para Hamburgo, estudando primeiro na Hochschule für Bildende Künste e, depois, na mesma escola, só que em Braunschweig. Aprendeu performance com Marina Abramovic, mas, como não é tão liberada como a professora sérvia, arranjou um jeito de lidar com gestos expansivos por meio das teias de fios que sustentam objetos em suas instalações monumentais. Elas lembram vagamente o trabalho da brasileira Edith Derdyk, com uma diferença: a última, efetivamente, faz desenhos no espaço com suas linhas, enquanto Chiharu traça uma trama que enreda o visitante numa narração poética sobre objetos ordinários.

“Os objetos não são simples objetos nessas instalações, eles desenvolvem histórias ligadas por fios.” Tanto nas artes visuais como na literatura, o fio – é só lembrar de Ariadne e Teseu – é um elemento de conexão entre os seres. No caso da obra da japonesa, o fio vermelho se diferencia do preto porque o último, na tradição oriental, está ligado à tinta com que os calígrafos desenham, unindo pontos no espaço. As chaves sustentadas pelos fios vermelhos sobre dois barcos rústicos, na Bienal de Veneza, evocam tragédias pessoais e coletivas de parentes da artista mortos em tsunamis e terremotos. “Mesmo no teatro, esses fios podem sugerir a exclusão de corpos que antes estiveram ligados aos objetos”, conclui a artista, que executou há dois para a ópera Tristão e Isolda, de Wagner, em Kiel, na Alemanha, um dramático cenário em que os cantores eram enredados como moscas numa teia. Não sem razão, ela já foi chamada de “mulher aranha”. Discreta, ela não comenta o apelido. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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