Encerrada na última sexta-feira, a semana de desfiles trouxe uma moda inverno viável (poucas loucurinhas, muito pé no chão), alguns bons conceitos e uma ou outra surpresa. Para o bem e para mal. Primeiro as boas: o número de modelos negras requisitadas pelas marcas aumentou, o desfile mais lindo da temporada falou de amor e, com o dólar em alta, as matérias-primas nacionais voltam à cena com bordados artesanais e estampas alegres e coloridas. Por outro lado, o dinheiro está curto. O evento, apesar de ter voltado para o prédio da Bienal, no Parque do Ibirapuera, encolheu. E as principais modelos brasileiras não vieram desfilar, com exceção de Carol Trentini, que se apresentou para a Ellus.
Muitos estilistas pareceram focados e trouxeram coleções melhores do que as anteriores. Os grandes nomes nacionais brilharam. Reinaldo Lourenço fez um desfile muito inspirado, com a azulejaria portuguesa como mote. Alexandre Herchcovitch resgatou seu lado underground e sua série de looks pretos era fetichista, sensual e intrigante. Oskar Metsavaht voltou à velha forma trazendo roupas esportivas muito chiques. Gloria Coelho, partindo de referências recorrentes (guerreiros, anos 1960, nórdicos), fez uma coleção poderosa com casacos de couro elegantes e golas modernas de pele de carneiro e coelho.
Ronaldo Fraga acertou a mão com peças femininas e desejáveis. E com uma performance poética, na qual um casal de modelos se despiu e se vestiu na passarela – ela colocou a roupa dele; ele, a dela. Um ato delicado, que fala sobre um dos assuntos mais em alta na moda atualmente, o “sem gênero”. No começo do século passado, as mulheres romperam a fronteira do guarda-roupa masculino e adotaram a calça comprida, o terno e o pulôver. Agora, é a vez deles. No desfile de Ronaldo, homens apareceram de saia. Mas não é só isso. Encabeçado na Europa pelo estilista italiano Alessandro Michele, da Gucci, o conceito propõe uma moda que transita entre os gêneros, com roupas que parecem femininas demais para os homens e masculinas demais para as mulheres.
Em tempos em que subverter e chocar é tão difícil porque todo mundo já viu de tudo, a nudez foi banalizada e a liberdade para se vestir é quase que total, Ronaldo Fraga apostou no sentimento mais universal e nobre: o amor. Como não se emocionar com um desfile que começa ao som de Teresinha e termina com Tanto Mar, duas das mais românticas músicas de Chico Buarque?
Ao insistir em um trabalho artesanal, criativo e nem sempre tão comercial, Fraga é um sobrevivente no mundo do fast fashion. A moda rápida da era das redes sociais, em que tudo é para ontem, inclusive o sucesso de vendas, tem um calendário apertado de coleções e desfiles a ser cumprido. A moda é para os fortes. E, na semana passada, um dos mais geniais e festejados estilistas da atualidade no mundo sucumbiu a ela. Na quinta, 22, a Dior anunciou a saída de seu diretor criativo, Raf Simons, que estava há apenas três anos e meio no cargo. O assunto dominou as rodas de fashionistas do mundo todo e de São Paulo também. O estilista belga vinha fazendo um trabalho marcante à frente da maison e o processo criativo de seu desfile de estreia foi registrado no documentário Dior e Eu, que estreou nos cinemas nacionais em agosto.
O filme mostra toda a aflição durante o desenvolvimento de sua primeira coleção de alta costura. “As pessoas que sofrem mais com essa velocidade atual da moda são, sem dúvida, os criativos que são o coração e a alma da indústria”, escreveu a jornalista inglesa Suzy Menkes, crítica de moda respeitada que hoje trabalha para a Vogue. “Sem eles, não há moda – apenas uma série de ideias que ecoam; nada muito novo; apenas a repetição vestida de algo inventivo.”
Hoje, as principais grifes lançam cerca de oito coleções por ano. Com o mercado voltado para a produção ininterrupta de moda, com linhas que chegam semanalmente às lojas, e marcas de fast fashion dominando o varejo, a velocidade imposta aos criadores de prêt-à-porter é desafiadora. Uma prática cada vez mais comum são as parcerias amarradas entre redes e criadores conceituados. No Brasil, a Riachuelo vem promovendo esse tipo de jogada com apresentações na fashion week. Nesta temporada, a estilista Lethicia Bronstein, famosa entre as atrizes de novela e influente nas redes sociais, assina uma linha para a empresa com 78 modelos. Todos eles foram colocados à venda nas lojas da rede no mesmo dia do desfile, enquanto as coleções das demais marcas deverão ir para as vitrines só em março do ano que vem.
É um mundo novo, ao qual os antigos criadores, que trabalham ainda seguindo os antigos modelos de negócio, precisam se adaptar. Uma surpresa chata dessa vez foi a notícia de que Alexandre Herchcovitch ainda não renovou seu contrato com a InBrands, empresa proprietária da marca Herchcovitch; Alexandre. Seu desfile sombrio, cheio de referências às suas antigas coleções, abriu a semana de moda levando provocações fetichistas para a passarela, montada em pleno saguão da Prefeitura Municipal de São Paulo. Ele pode ter sido o último do estilista à frente da marca que criou, há 20 anos, ajudando a estabelecer a cultura de moda nacional contemporânea. No Brasil e na moda, as coisas estão assim, em suspenso. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.