O rock e a síndrome de grandeza. Uma mistura clássica – e volátil. Busca-se crescer mais do que as pernas (e o talento) suportam, e o tombo é daqueles feiosos e traumáticos. A queda não chegou ainda ao Muse, mas o trio britânico talvez esteja mais perto dela do que eles mesmos gostariam de admitir. O show realizado na noite de sábado, 24, no Allianz Parque, diante de 27 mil pessoas (número informado pela organização do evento), mostrou alguns buracos na estrutura que é preciso se construir para sustentar uma performance numa arena – e já nos ensinou a engenharia civil: é preciso uma base forte para manter um arranha-céu em pé.
Banda nascida no fim dos anos 1990, o Muse desde cedo chamou a atenção pela pretensão. Guitarra musculosa de Matthew Bellamy foi ouvida como a salvação do rock puro, sem a necessidade de um subgênero para classificá-lo. Uma espécie de power trio que flertava com o heavy metal, mas caminhava entre peso e leveza por meio dos vocais do próprio Bellamy.
Do disco de estreia, Showbiz, lançado em 1999, apenas uma canção sobreviveu até o set list mostrado na capital paulistana. A boa Muscle Museum representa a primeira fase da banda em um apanhado de canções dominado pelo mais recente e pretensioso (olha a palavra aí de novo) álbum do grupo, Drones. E isso diz muito. É ótimo testemunhar bandas que não precisam se apoiar em hits do começo da carreira para segurar um show em arena. O público não estava ali, aliás, para Muscle Museum. O Muse cresceu aos poucos, não como sucesso instantâneo. Saíram seis discos entre Showbiz e o mais recente deles, lançado neste ano.
O grupo não teve medo de se descolar, aos poucos, da primeira imagem, do impacto inicial que a banda causou no seu surgimento. Experimentaram novas sonoridades – a ótima Madness, que flerta maravilhosamente com o dubstep antes de cair para a vala do rock de arena genérico no refrão, é exemplo claro de que Matt e companhia não se importam em limitações de gênero.
O perigo da queda, contudo, já se mostra claro. “Your ass belongs to me now”, verso de Psycho, single de Drones, é tão pavoroso que sequer merece tradução para o português. A frase faz algum sentido no contexto da canção, mas está longe de ser necessária. As cinco canções do novo álbum apresentadas ao vivo mostram que é preciso dar alguns passos atrás.
Como trio, o Muse não suporta dar conta daquilo proposto nos discos. Chamaram um faz-tudo no palco, um quarto integrante para se debruçar entre teclados, guitarras, percussão, backing vocals e qualquer outro instrumento que não seja baixo e bateria. Esse sujeito, realmente, deve sair suando de uma performance do Muse.
O restante, Bellamy incluso, não deve derramar muitas gotas de suor, entre tantas poses de rockstars e instrumentos chamativos. O vocalista ainda é o caso mais preocupante dos três. Tem tantos recursos, vocais e como instrumentista, mas se perde entre eles. Ora faz solos mirabolantes com a guitarra, outra alcança agudos altíssimos ao microfone. Tudo é embaralhado e injustificável.
É mais virtuosismo ególatra do que necessidade musical. Drones, o álbum, é a prova disso. Canções como Dead Inside, Mercy, Reapers, The Handler e a citada Psycho, as escolhidas para a turnê, não são capazes de recriar no palco o conceito do álbum, a ideia de um futuro distópico não tão distante no qual a humanidade é controlada pelas máquinas. Soam cruas até demais, pobres e ralas.
Em contrapartida, a sequência de Madness, Supermassive Black Hole, Time Is Running Out, Starlight e Uprising mostra um caminho certeiro a ser seguido pelo grupo. Canções de arena, com experimentos pontuais, e capazes de levantar um estádio. Se o Allianz Parque estava mais vazio do que o esperado, aqueles que ali estavam vibraram com essa sequência final. O bis, com Mercy e Knights of Cydonia, foi protocolar e dispensável.
Foi a primeira vez do Muse com um show solo em arena em São Paulo. A banda veio outras vezes, mas nunca com o status de hoje. Não encontrou casa cheia, mas viu um público interessado naquilo que se mostrava no palco. Os maiores pontos fora da curva da banda estão, justamente, no mais recente álbum. Algo tão conceitual quanto The Wall, do Pink Floyd, mas distante da genialidade da banda progressiva. Bellamy e companhia não entenderam a limitação própria, algo comum.
Quantas bandas já perdemos para essa doença do exagero? Centenas? Milhares? Existe uma distância enorme entre querer e, de fato, ser. O Muse quer ser gigantesco, mas ainda falta um bom caminho para isso. E é bom aceitar que, talvez, nunca chegue lá. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.