Aos 12 anos, Amélia Toledo entrava e saía do laboratório caseiro do pai deslumbrada com as cores e formas que via ao microscópio. Poderia ter seguido a carreira de cientista, mas preferiu transferir essa curiosidade para o campo das artes – no plural, porque esse interesse sempre foi múltiplo. Amélia, que completou 89 anos nessa segunda, 7, já trabalhou com arquitetura (no escritório de Vilanova Artigas), desenhou joias, assinou projetos públicos (programação cromática da estação do metrô Arcoverde de Copacabana), pintou painéis de grande dimensões ( Sesc Ipiranga), esculpiu simulacros de materiais orgânicos (como conchas) e produziu objetos que desafiaram classificações críticas. Sua exposição na Galeria Marcelo Guarnieri , aberta até 23 de janeiro, é um resumo dessa longa carreira.
O seu sempre foi um “work in progress”, que busca uma conexão com o próprio passado para avançar. Em cinco obras da mostra ela retoma questões formais que pareciam superadas, mas ganham nova dimensão ao serem retrabalhadas. Amélia surpreende por sua capacidade de reinventar a própria linguagem e explorar novos territórios. É o caso, por exemplo, da maior peça da exposição, Bambuí, instalação reproduzida nesta página e concebida em 2001 com o nome da cidade mineira de onde vieram as pedras refletidas na sinuosa placa de aço.
A espiral é uma forma recorrente na obra de Amélia Toledo – em esculturas como Om (1982), por exemplo. A construção de Bambuí conserva essa mesma simplicidade minimalista – tanto como as esculturas de Richard Serra -, explorando as ressonâncias da superfície espelhada do aço, que reflete as pedras. Para chegar à espiral de Bambuí, porém, o visitante deve atravessar antes o penetrável batizado de Da Cor da Corda, obra do ano passado que é um exercício híbrido entre pintura e escultura. Nele, Amélia usa a instabilidade das cores – o verde e o azul – para induzir o espectador à discromatopsia. Diferentemente do venezuelano Jesús Soto (1923-2005), ela não projeta volumes em fios translúcidos, mas promove um confronto cromático direto.
A pintura, sempre renovada, é também um desdobramento de sua experiência escultórica, particularmente a série Horizontes, iniciada em 1993 e até hoje “in progress”. Nessa pintura, que começou a ser feita em juta e passou ao linho na última década, a linha do horizonte é insinuada com a divisão simétrica da tela e um sutil jogo tonal que transpõe para a tela o ilusionismo visual da série de esculturas Fatias do Horizonte (1996). “Amélia costuma dizer que essa é a sua primeira pintura figurativa, no sentido de separar céu e terra apenas por uma linha horizontal”, diz seu marchand Marcelo Guarnieri, há dois anos cuidando da obra da artista.
Guarnieri destaca o olhar visionário de Amélia, que antecipou em décadas trabalhos de contemporâneos como Marina Abramovic. Há três anos a artista sérvia expôs, em São Paulo, sua cabeça esculpida em cera com pedras incrustadas. A artista brasileira usou pedras bem antes de Abramovic desenvolver seu método terapêutico de interação com minerais. Na exposição da Galeria Marcelo Guarnieri, Amélia mostra alguma das mais belas pedras de sua coleção, instaladas como esculturas sobre pedestais. Para quem usou essas mesmas pedras no desenho de joias, mostrá-las assim, sem lapidação, é um modo de deixar que se “manifestem”, transmitindo energia aos visitantes.
Não se trata de um jogo metafórico. Amélia acredita, de fato, nessa integração entre homem e natureza, a ponto de fazer um jardim só de pedras (Parque das Cores do Escuro, 2002) no Ibirapuera. Projetada nos anos 1960, a artista se sentiu livre para experimentar com diversos materiais, criando, inclusive, múltiplos produzidos industrialmente, como os porta-copos que ela chamou de discos tácteis (1970), feitos em PVC flexível com corante e água no interior. Por esse pioneirismo, ela foi homenageada este ano na quinta edição do prêmio Marcantonio Vilaça.
“Dois anos antes ela criou o Glu Glu (de 1968, peça em vidro soprado com água e tenso ativo), que também era um múltiplo e teve três edições”, lembra Guarnieri, destacando a pouca importância que Amélia dava às aspirações do mercado, ao desenvolver projetos de obras para reprodução. Apesar desse desapego, ela participou de cinco bienais e é considerada um dos vetores da arte contemporânea brasileira.
Andando na contramão, Amélia desprezou a lógica mercadológica, mas nem por isso deixou de entrar em coleções importantes do país, sejam as particulares (João Carlos Figueiredo Ferraz, José Olympio Pereira) ou institucionais (Masp, MAC, Pinacoteca). Seu marchand revela o próximo passo: colocar sua obra no mercado externo. Amiga de Mira Schendel (1919-1988), ela tem tudo para receber o mesmo reconhecimento. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.