Variedades

Tenor Jonas Kaufmann fala sobre novos CDs e apresentação em São Paulo

Se tudo tivesse saído de acordo com o planejado, Jonas Kaufmann estaria hoje atrás de uma mesa de laboratório, fazendo contas. Os pais haviam sugerido ao filho que encontrasse um emprego estável, seguro. E, às portas da faculdade, a Matemática pareceu a ele um curso tão bom quanto outro qualquer. Mas, depois de dois semestres, algo mudou. “Ficou claro para mim que eu não havia nascido para ser um teórico, e essa sensação tornou-se um peso cada vez maior. Então, no verão de 1989, eu resolvi começar a estudar para ser um cantor lírico em Munique.” Não foi, ele continua, ao se lembrar dos eventos de 25 anos atrás, uma decisão fácil. Mas, ao que tudo indica, acertada. Kaufmann é hoje um dos principais nomes da ópera internacional – o maior tenor da atualidade, dirão seus fãs. E não sem uma certa razão.

Kaufmann está lançando dois CDs: uma seleção de árias de Puccini e uma versão da Aida, de Verdi. E, no dia 10 de agosto, fará um recital na Sala São Paulo, para celebrar os 35 anos do Mozarteum Brasileiro. A apresentação faz parte de uma pequena turnê latina, a sua primeira: em Buenos Aires, cantará Wagner sob regência de Daniel Barenboim; em Santiago, fará concerto com árias de ópera. E no Brasil? “Para ser completamente sincero, ainda não sei”, ele diz, em entrevista exclusiva ao jornal O Estado de S. Paulo. Sabe, porém, que virá acompanhado do pianista Helmut Deutsch, com quem já gravou canções de Schubert e Strauss. “Talvez algum Mahler, Wolf, Schumann. É difícil para mim escolher com muita antecedência. Grandes cantores do passado, eles contam que se sentavam com os diretores dos teatros para decidir o que cantariam na temporada seguinte. Hoje, é tudo feito com anos de antecedência. Mas, como saber o que a voz estará pronta para fazer em tanto tempo?”

A sugestão de um programa formado por canções pode decepcionar o público da ópera, mas este é um repertório que remonta à própria formação de Kaufmann. “A canção é a rainha dos gêneros do canto. Exige um toque delicado, mais cores, nuances, maior controle de dinâmica, cuidado com o texto. Você está exposto o tempo todo e é o responsável pelo que acontece no palco. O que significa também que não dá para culpar ninguém caso algo saia errado”, brinca.

Mas Kaufmann não tem nada contra a ópera, que ele se apressa em definir como um espetáculo “capaz de transformar a vida de uma pessoa”. E foi ela, afinal, que deu a ele a projeção de que hoje goza. Seus vídeos ultrapassam os milhões de acessos no YouTube – e, no ano passado, a internet também abrigou o boato de um caso entre ele e a cantora Madonna. “Entre as muitas diferenças entre a vida do cantor de hoje e a de cinquenta anos atrás, a internet merece destaque. Na minha juventude, existiam poucas lojas que vendiam gravações piratas de performances ao vivo. Hoje, é fascinante e assustador pensar que tudo o que você faz estás sendo gravado por alguém. Se você erra uma nota, ela estará no YouTube no dia seguinte…”

A comparação com os cantores do passado também é uma constante. “Seja na ópera ou no futebol, você nunca está seguro quando chega à primeira divisão. No mundo da música clássica, comparações são parte do jogo”, diz. E como lidar com isso? “Há fãs de ópera mais interessados no passado do que no presente. Há certo toque de nostalgia nesse universo. O conhecimento da tradição, para mim, é fundamental. Mas, como disse Gustav Mahler, a tradição significa passar adiante a chama e não adorar as cinzas. É por isso que acredito tanto na importância de projetos que levam a ópera para crianças, é preciso passar a elas essa chama. Eu tinha 6 anos quando assisti minha primeira ópera, Madama Butterfly. Foi um dos momentos-chave da minha vida musical.”

Kaufmann é hoje intérprete de excelência de Verdi e Wagner. E vê entre os dois autores mais semelhanças que diferenças. “Fala-se sempre que Verdi é o compositor do povo, do coração, e Wagner, dos intelectuais. As melodias de Verdi podem ser mais populares. Mas o amor por Wagner costuma vir também do sentimento, e não do intelecto. Sua música é como uma droga e é tão capaz quanto qualquer outra de agradar as massas. Durante uma temporada de Parsifal, em Nova York, eu estava me preparando para cantar Il Trovatore. Fiquei tão animado que não queria saber de nada além de Verdi. Mas então chegou a hora de mais uma récita do Parsifal: cinco horas de ópera e lá estava eu totalmente imerso naquele cosmos. E então achei que Wagner era o maior de todos. Até voltar a Il Trovatore. Foi uma montanha russa emocional que levou semanas.”

Mas Kaufmann faz questão de colocar Puccini na conversa, “o terceiro nesse ménage”. Ele diz se sentir particularmente próximo do compositor. “Primeiro, porque sua música é bastante direta, mexe conosco em um nível básico. Mas também porque Puccini, como homem do século 20, está mais perto de nós. Ele era uma pessoa moderna, dirigiu carros, fez gravações, foi ao cinema. A época dele teve grandes compositores, Cilea, Mascagni, Giordano, Leoncavallo. Mas apenas ele permaneceu com um número tão grande de obras e isso não é por acaso. Ele sabia nos manipular com sua música, de uma boa maneira, claro. É perfeito, cria um envolvimento emocional entre a plateia e os personagens. E, para mim, isso é fundamental. Para mim, é preciso haver 100% de crença no universo emocional sugerido por um compositor para cantar sua música. E é exatamente assim que eu me sinto com Puccini, sempre.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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