Dias depois da morte de Scott Weiland, ex-líder do Stone Temple Pilots, a ex-mulher dele e mãe dos seus dois filhos, Mary Forsberg Weiland, publicou um texto na Rolling Stone norte-americana para suplicar pela não glorificação da tragédia – Weiland foi encontrado morto no ônibus da turnê, em 3 de novembro, aos 48 anos, vítima de uma mistura fatal de cocaína e álcool. É uma linha tênue: celebrar a vida, sem exaltar os vícios. A questão com Weiland e tantos outros como ele nunca foi celebrar o definhamento de um músico perante o abuso das drogas, diante da tríade que rege (ou regia) o rock and roll. Pelo contrário. Lamentou-se a tragédia.
É o lamento que germinou no peito dos fãs do lado mais brutal do rock quando surgiu a notícia da morte de Lemmy Kilmister, ícone do heavy metal, aos 70 anos, dois dias depois de descobrir um câncer agressivo e voraz no cérebro e no pescoço, na segunda-feira, 28. E antes que tenha início o apedrejamento, ninguém compara aqui legado de um ou de outro.
Weiland talvez tenha perdido a luta contra os vícios e excessos antes mesmo de tomar consciência total disso. Algo bastante diferente de Lemmy, cujo histórico de abusos é tão lendário quanto aquele de Keith Richards, o guitarrista dos Rolling Stones que supostamente até cheirou as cinzas do próprio pai. O líder do Motörhead – banda que chegou ao fim com a morte dele, segundo o baterista Mikkey Dee – tinha seus vícios, mas os conhecia bem. Na luta entre a vida e a morte, em um ringue de boxe, a vitória da segunda se deu por pontos, após o soar o gongo final. Desde os 30 anos, Lemmy dizia beber uma garrafa de uísque Jack Daniels por dia. Somente meses antes de morrer, ele trocou o hábito de ingerir refrigerante pelo suco de laranja e um destilado por outro: deixou o uísque e passou a bebericar vodca. Nos últimos anos, a saúde começou a dar sinais de alerta mais frequentes de que as coisas não iam bem – em abril, cancelou o show do Motörhead no Monsters of Rock, em São Paulo, por causa de uma crise gástrica.
Weiland é uma vítima dessa espécie de síndrome de Superman que acomete os roqueiros. O que o rock traz (sexo e drogas), o rock salva. “Imortais”, tais quais Richards e Kilmister, são praticamente uma outra raça, durões na queda, adversários tão agarrados à vida que nem mesmo os abusos são capazes de interrompê-la prematuramente. Com o adeus de Lemmy, o rock vê essas figuras em extinção. O dinossauro beberrão, que levava a vida ao limite, se foi. Um a menos de uma espécie cada vez mais rara do rock, que agora transborda bom-mocismo e penteados meticulosamente acertados. No Motörhead e, antes disso, na seminal Hawkwind, Lemmy era a crueza do rock, era veloz, rude, urrava em vez de cantar. Marcou do punk ao heavy metal, de Metallica ao recente Royal Blood. Não se glorifica aqui os abusos. Celebram-se a vida e a obra deixada. E, como pediu um comunicado oficial da banda, é aconselhável fazê-lo longe da patrulha do politicamente correto, com o volume nas alturas e acompanhado de um drinque ou dois. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.