Na década de 1970, quando a fotógrafa Claudia Andujar começou a trabalhar entre os ianomâmis, eles decidiram chamá-la napë yõmã, “mulher estrangeira”. Este ano, quando foi inaugurado o mais novo pavilhão do Instituto Inhotim, em Minas Gerais, dedicado à artista, os índios o batizaram de maxita yano, “casa de terra”.
Construção de tijolos à vista no meio da mata, a galeria de 1,6 mil m² e com mais de 400 fotografias em seu interior se torna agora um museu para uma das mais importantes experiências artísticas – e ativistas – realizadas com um grupo indígena no Brasil.
Desde o início do projeto, em 2010, a Galeria Claudia Andujar, que consumiu R$ 12 milhões, nasceu com o objetivo de ser um espaço para o legado da já antológica obra criada do encontro da fotógrafa com os ianomâmis e com o território amazônico. “Existia um desejo de mostrar esse trabalho de uma maneira inédita já que ele sempre foi exibido de forma mais fragmentada, mais parcial”, diz Rodrigo Moura, diretor artístico de Inhotim e curador do pavilhão.
A instituição adquiriu cerca de 500 fotografias feitas pela artista, principalmente, entre 1971 e 1983 – mas há também uma série comissionada, Tootobi, de imagens coloridas e digitais clicadas por ela em 2010 no Amazonas; além de publicações como o livro Mitopoemas Yãnomam (Olivetti, 1978), realizado com Carlo Zacquini, e o exemplar da extinta revista Realidade, que enviou a fotógrafa no início dos anos 1970 à Amazônia por conta de edição especial sobre a região.
Nascida na Suíça como Claudine Haas, Claudia Andujar, hoje aos 84 anos, encontrou no Brasil o seu lugar. No filme A Estrangeira (2015, 98 min), lançado por Inhotim, Rodrigo Moura conduz entrevistas com a artista sobre sua trajetória – marcada pela 2.ª Guerra, pela criação em Oradea, cidade romena que pertencia à Hungria, e por vivência em Nova York até chegar em 1955 a São Paulo. Mais ainda, a filmagem acompanha a fotógrafa em sua última ida ao território dos ianomâmis, em Roraima – fundadora, em 1978, da Comissão pela Criação do Parque Yanomami (CCPY), seu ativismo foi fundamental para a demarcação da terra indígena em 1992.
As obras da Galeria Claudia Andujar centram-se, assim, no seu “trabalho de vida” com a etnia, desde 1971. Sua atuação anterior, associada ao fotojornalismo e recentemente apresentada na mostra e no livro Claudia Andujar: No Lugar do Outro, organizados pelo Instituto Moreira Salles, ficou de fora do pavilhão da fotógrafa em Inhotim. “Ela já vinha fotografando lugares da Amazônia e outros índios, mas seu encontro com os ianomâmis tem um poder de transformação dela como pessoa e como artista”, afirma Rodrigo Moura.
Segundo o curador, mais do que documentar o povo indígena e registrar sua “imersão profunda” na cultura ianomâmi, Claudia Andujar inovou a utilização da fotografia nas criações do período contemplado em sua galeria, inaugurada em 26 de novembro. “Claudia propõe um tipo de participação do fotógrafo naquilo que está fotografando, que é de singularidade importante.”
O pavilhão dedicado à fotógrafa, projetado pelo escritório Arquitetos Associados, de Belo Horizonte (é a segunda maior galeria de Inhotim, ficando atrás da que exibe obras de Tunga), expõe as imagens de Claudia Andujar (grande parte, inédita, e exposta em séries completas) por meio de uma narrativa composta por três capítulos, explica o curador.
Primeiramente, está A Terra (E a água), “que tem muito a ver com a maneira como os indígenas entendem a cultura, a partir da natureza”. Fotografias como os 25 registros do Rio Negro e os de uma vitória-régia são destaques. O segmento desmembra-se no subcapítulo Amazônia (s), que, curiosamente, apresenta os primeiros retratos de ianomâmis da artista, feitos em cor.
Mais adiante, o visitante encontrará o principal núcleo da galeria, Yanomami – O Ser Humano, que contempla os belos retratos em preto e branco dos índios realizados por Claudia Andujar. As obras traduzem os anos de sua maior imersão com os ianomâmis (de, principalmente, 1972/73 e de 1977/78). “São muitas fotos do xamanismo, forma de cultura elevada deles, e também a ideia do retrato, da representação do corpo, do indivíduo”, afirma Rodrigo Moura.
Por fim, está o bloco Contatos, que trata do olhar para o conflituoso choque dos índios com o “homem-branco”. Imagens do período da construção da rodovia Perimetral Norte e do impacto do garimpo no território ianomâmi são temas de obras do segmento, assim como a série Marcados (1981-83), composta de retratos feitos durante campanha de vacinação. Já a última sala do pavilhão foi um desejo da artista – ela doou desenhos criados por indígenas, conjunto que, nos anos 1970, a ajudou a conhecer a mitologia e os sonhos de um povo. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.