Correspondente do jornal O Estado de S.Paulo na Guerra de Canudos, Euclides da Cunha enviou ao jornal 22 cartas e 55 telegramas. Esses “despachos do front” seriam o embrião de Os Sertões, clássico da literatura brasileira lançado em 1902 e calcado em três partes – terra, homem e luta.
O escritor já colaborava com o Estado desde 1888. Antes de partir para a Bahia, escreveu o primeiro artigo sobre a guerra, em julho de 1897. Em A Nossa Vendêa, o autor comparou a Guerra de Canudos à rebelião monarquista contra a derrubada do antigo regime francês, ocorrida entre 1793 e 1795, na região da Vendeia. Para ele, Canudos era a última resistência à República brasileira.
Euclides viajou para o sertão da Bahia com intenção de escrever um livro sobre a guerra. Segundo nota publicada em 30 de julho de 1897, ele não só enviaria “correspondencias do theatro das operações” como tomaria notas e faria estudos “para escrever um trabalho de fôlego sobre Canudos e Antonio Conselheiro”. Antes de seguir para a região do conflito, passou 23 dias em Salvador esperando autorização do Exército. Na capital baiana, escreveu a maioria das cartas, publicadas no Estado como Diário de uma Expedição. Entrou em Canudos em 10 de setembro de 1897 e de lá saiu em 3 de outubro, dois dias antes do fim da guerra, por causa de uma febre. Ao contrário das cartas, enviadas em intervalos maiores e com análises da situação, os telegramas eram quase diários e traziam informações pontuais com as principais notícias do dia.
Ainda em Salvador, Euclides viu soldados voltando dos sertões “feridos e convalescentes, tropegos e alquebrados, physionomias pallidas e abatidas”. Também fez comentários sobre a destreza dos combatentes sertanejos, os quais comparou a “simios deslisando pelas catingas, como cobras, resvalando celeres, descendo pelas quebradas, como espectros, arrastando uma espingarda que pesa quasi tanto como elles – magros, seccos, phantasticos, com as pelles bronzeadas colladas sobre os ossos – asperas como pelles de mumias”.
Para Euclides da Cunha, militar reformado, a tática usada pelos jagunços explorando a geografia dos sertões – “um labyrinto de montanhas” – era uma das razões que explicavam a resistência e as vitórias obtidas pelos seguidores de Antônio Conselheiro. “Singular ao terreno e invisiveis como mysteriosas phalanges de duendes, as forças antagonistas irrompem inopinadamente de todas as quebradas, surgem de modo inesperado nas anfractuosidades das serras, nas orlas ou nas clareiras das mattas”, escreveu na correspondência de 17 de agosto, completando a seguir: “Não há perseguil-o no seio de uma natureza que o creou à sua imagem – barbaro, impetuoso e abrupto”.
Essa influência da terra sobre o homem Euclides sentiu quando entrou pela primeira vez na caatinga, em 1.º de setembro, por Queimadas. Diante dela, relatou que havia pensado que “faria prodigios”, mas logo confessou o engano: “Perdi-me logo, perdi-me desastradamente no meio da multiplicidade das especies e atravessando o dedalo das veredas estreitas, ignorante e deslumbrado”. Na mesma correspondência, trecho remete à frase mais conhecida de Os Sertões: “O sertanejo é, antes de tudo, um forte”.
Ao analisar a resistência dos jagunços diante das condições físicas e geográficas, escreveu que o “homem do sertão tem, como é de prever, uma capacidade de resistência prodigiosa e uma organização potente que impressiona”. “Não o vi ainda exhausto pela lucta, conheço-o já, porém, agóra, em plena exuberancia da vida. Difficilmente se encontra um specimen egual de robustez soberana e energia indomita.”
Em Canudos, Euclides pôde confirmar os relatos recolhidos em Salvador. Viu a resistência do sertanejo ao cerco do Exército e a intensos bombardeios. Nas últimas correspondências, em vários momentos viu o fim da guerra depois do silêncio que seguia o ataque da artilharia. Mas, quando os pelotões avançavam, dos destroços partiam tiros que derrubavam os soldados. “Sejamos justos – ha alguma coisa de grande e solemne nessa coragem estoica dos nossos rudes patrícios (…) a conquista real consistirá no incorporal-os (…) à nossa existência política.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.