A despeito de sua importância para o advento do movimento modernista brasileiro, o futurismo foi visto com desconfiança pela ligação de seu mentor, o poeta italiano Filippo Tommaso Marinetti (1876-1944), com o fascismo de Mussolini. O futurismo, em seu desprezo pelo passado e fixação na velocidade, marcou definitivamente a arte brasileira dos anos 1920. Há exemplos disso no acervo do Museu de Arte Contemporânea (MAC), como o pintor e escultor Umberto Boccioni (1889-1916), o mais importante teórico do futurismo. Desde sábado, com a abertura da exposição Depero Futurista e Artista Global, no MAC, o movimento pode ser visto por outro ângulo, o de sua ligação com a propaganda e a construção da vida moderna.
Fortunato Depero (1892-1960), um artista nascido em Rovereto, norte da Itália, aderiu ao movimento futurista em 1914, justamente quando o planeta enfrentava sua primeira guerra mundial. O fervor patriótico do artista está registrado no trabalho mais antigo da mostra, uma collage de 1915 em que Depero, simbolicamente, atira uma bomba na Áustria. No mesmo ano, ele e Giacomo Balla (1871-1958) lançaram o manifesto Reconstrução Futurista do Universo, em que defendiam a ideia da produção artística como um campo expandido. A rua seria o museu do futuro, a arte reinaria onipresente no cotidiano. Caberia ao artista idealizar móveis, tecidos e cartazes publicitários para concretizar o ideal futurista. Depero fez sua parte.
E não foi pouco, lembra o curador da mostra, o arquiteto e historiador italiano Maurizio Scudiero, que propõe uma revisão da historiografia do futurismo italiano com a exposição de Depero. “Há dois anos, quando o Guggenheim de Nova York organizou a retrospectiva sobre o movimento, Depero ganhou projeção, sendo reconhecido como um precursor da arte pop e da arte povera”, lembra Scudiero, classificando o insurgente artista como um vanguardista avant la lettre.
O apoio dos futuristas para que a Itália entrasse na guerra, em 1915, destruindo a ordem tradicional e envolvendo todos num cenário caótico de ficção, foi decisivo para o avanço do fascismo na Itália, mas Scudiero chama a atenção para as diferenças entre Marinetti, que usou Mussolini para ingressar na Academia, e Depero, cuja ambição artística, segundo ele, era legítima. Tanto que Depero foi o único futurista, ainda de acordo com o curador, a “enfrentar aquele futuro apenas imaginado por seus colegas italianos”.
Depero foi para Nova York em 1928, ficou fascinado pelos arranha-céus, o metrô e ainda colaborou com seu desenho publicitário na criação de capas para revistas como Vogue e Vanity Fair, também na mostra. Scudiero aponta um cartaz feito nesse mesmo ano, 1928, para a Campari, collage reeditada recentemente pela empresa de bebidas para mostrar a atualidade de Depero. “Veja, a primeira letra de Campari se parece com a figura do jogo eletrônico Pacman, que seria criado só nos anos 1980”, observa o curador, que destaca ainda a ousadia cromática do artista italiano. “Só mesmo os artistas pop teriam a coragem de usar essas cores.”
A arte pop, especialmente Andy Warhol, que passou igualmente pela publicidade, aproveitou de fato essa e outras lições de Depero. Exemplo disso é a obra Gondoleiros, de 1924/25, uma das maiores, que dialoga com o serialismo pop de Warhol. Nela, Depero emoldura a peça com um desenho de padrão matissiano, mas, no lugar do óleo, usa feltro. “Em 1921, ele já considerava que a pintura havia acabado”, diz o curador. Recorrendo a materiais menos nobres, como tecidos baratos, ele antecipou procedimentos posteriormente adotados pela arte povera nos anos 1960, para eliminar a fronteira entre a arte e o cotidiano. Além dessas obras, destaca-se na mostra o conjunto de figurinos que Depero desenhou para a ópera de Stravinski (O Rouxinol, 1916). A exposição se encerra com uma obra dos anos 1950, Íris Nuclear de Galo, que explora conceitos teóricos sobre arte “nuclear”. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.