O Estadão foi o único jornal a sofrer censura prévia durante a ditadura. Secretário de Redação do jornal quando foi decretado o AI-5, Oliveiros S. Ferreira conta, em Estranhos na Noite, que nem por isso o jornal sucumbiu à autocensura. A ordem de Julio de Mesquita Neto, no Estado, e de Ruy Mesquita, no Jornal da Tarde, era clara: ao repórter cabia escrever; ao censor, cortar. Repressão não rimava com Redação. Neto assumiu a direção do jornal em julho de 1969, após a morte do pai, Julio de Mesquita Filho, o autor do editorial Instituições em Frangalhos, que tanto incomodou a ditadura militar, a ponto de agentes policiais invadirem a sede do jornal para recolher a edição. Não conseguiram.
Por meio de uma estratégia que passou a perna nos investigadores, cerca de 60 mil exemplares do jornal foram despachados por uma canaleta de carregar materiais de construção pela rua Martins Fontes (os policiais estavam de vigia na Major Quedinho). No dia 14 de dezembro de 1968, saiu estampado no jornal o anúncio do AI-5 e o recesso do Congresso.
Os censores que posteriormente passaram a ocupar mesas ao lado dos editores não ficariam muito tempo na Redação. Foram “expulsos” para as oficinas. Como se disse, Gellulfo Gonçalves, Gegê, chefe da Diagramação nos anos 1970, provocava os homens cantando Strangers in the Night. Um dos censores, irado, segundo conta o escritor Ivan Ângelo, que foi secretário de Redação do Jornal da Tarde, sentou-se uma noite a seu lado e, desconfiado da retirada maciça dos repórteres quando ele chegava, perguntou: “Isso é comigo?”. Ivan Ângelo, que recebia todos os dias uma lista de assuntos vetados pela censura, respondeu: “Certamente, porque isso nunca aconteceu comigo”.
O Acervo Estadão reuniu em dois livros todos os temas interditos pelos censores – 60% deles eram questões políticas, seguidas de assuntos econômicos, segundo pesquisa da historiadora Maria Aparecida Aquino, que também está no filme. Uma epidemia como a da meningite, que assolou o País em 1974 – muito mais grave do que admitia o governo – era estreitamente vigiada pelos censores. Como a censura não permitia a publicação de espaços em branco, surgiu, então, a ideia de ocupar esse vazio com trechos de Os Lusíadas e receitas de bolo.
Essa história, diz o cineasta Camilo Tavares, ainda não acabou. Ele tenta agora levantar dinheiro para rodar uma segunda parte de O Dia Que Durou 21 Anos, documentário realizado por ele em 2012 que conta o envolvimento do governo americano no golpe de Estado de 1964. “Parei no AI-5 e a ideia é chegar até a campanha pelas eleições diretas, em 1984.” Aos 44 anos, ele, que testemunhou o exílio do pai, quer acertar as contas com essa história, que parece não ter fim.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.