É difícil falar de moda em tempos bicudos como esses. Enquanto o mundo discute o terrorismo, o racismo, o sexismo e os problemas políticos e ambientais, e tudo reverbera loucamente nas redes (de maneira difusa e confusa), os desfiles das grandes marcas internacionais, que terminaram em Paris na quarta, 9, buscam se diferenciar e chamar a atenção. Sair da zona de conforto é a demanda da vez, uma questão de sobrevivência. Uns estilistas foram mais excêntricos, outros apostaram todas as fichas em looks sensuais. Mas entre os inúmeros caminhos apareceu uma unanimidade: a modelagem cresceu. O jogo de proporções das peças do momento está bem diferente. Tudo agora ou é amplo ou é solto, ou é comprido ou é folgado. A roupa confortável a partir de agora é cult. E a causa desse frisson fashion tem nome e sobrenome (difíceis de pronunciar, por sinal): Demna Gvasalia, o estilista que acaba de estrear na direção criativa da Balenciaga.
Gvasalia deu a largada no extra-extra-large há três temporadas com as coleções da marca Vetements, um coletivo de criadores radicados na França, que sacudiu Paris com o frescor de seu “streetwear mutante”. Primeiro, eles repaginaram o guarda-roupa básico com jaquetas volumosas, calças com barras arrastando no chão, mangas compridas cobrindo praticamente toda a mão. Agora, apostaram em botas superlongas, que vão até a metade da coxa e são pura provocação. À frente da Balenciaga, Gvasalia apostou em paletós com ancas marcadas, casacões esportivos e jaquetas com golas deslocadas, que deixam os ombros à mostra. Há algo fora do lugar nessa moda. Fora da ordem. Esse jeito de vestir imperfeito é, justamente, o que desperta o olhar.
Conclusão: a fartura de tecido, que dá um ar displicente e confortável a essa estética, acabou reverberando nas principais passarelas do planeta. A Chanel desta vez apresentou, entre outras coisas, um vestido-casaco usado ao contrário e abotoado nas costas. Os punhos longos deixavam apenas a ponta dos dedos de fora. A ideia do estilista Karl Lagerfeld foi desmontar a imagem de mulher impecável, trazendo um toque transgressor. O visual de agora é chique, mas não é chato.
Já Phoebe Philo, estilista da Celine, que é low profile e cool, trouxe seu estilo minimalista de maneira mais relaxada, alongando e alargando tudo. Na passarela da marca, as camisas pareciam vestidos sobre pantalonas que cobriam os pés. Túnica? Sim, claro, bem longas. Casacos oversized também. Parece roupa de quem quer se esconder.
Stella McCartney seguiu a mesma linha intelectualizada em sua moda ecologicamente correta (ela se recusa a usar peles de animais, incluindo couro). A jaqueta jeans ganhou corpo e virou um casaco quase 7/8. As peças anormais traziam uma sensualidade implícita. O momento boneca enfeitada, logotipada e alienada já era.
A excentricidade está em foco também. Principalmente, se tiver uma inspiração vintage, como vem fazendo o estilista da Gucci, Alessandro Michele. De repente, um paletó de smoking alongado surge sobre uma saia oriental de seda e óculos de graus enormes (geek total). A mistura parece não fazer sentido e causa um desconforto. Mas é nessa provocação e aparente falta de harmonia que mora o sucesso. A Prada é outra grife que aposta nessa máxima. No desfile da marca em Milão, a estilista Miuccia Prada forçou a mão no styling (combinação de peças) para criar a imagem do que chamou de “urban vagabond”, uma espécie de andarilha que carrega consigo informações de lugares onde esteve.
Na prática, isso significa: cintos e corset, pelerines, casacos e jaquetas com referências aos uniformes militar e meia-calça com xadrez escocês arrematando o look. Uma miscelânea bem sofisticada. Detalhe: as bolsas vieram a tiracolo. A moda de agora deixa a mulher pronta para a luta diária e com as mãos livres – para teclar, fotografar e postar, por exemplo. Uma moda que oferece conforto para pensar e praticidade para agir.