A crise econômica atingiu em cheio os festivais brasileiros. Seu sistema de financiamento está debilitado. Os editais minguaram. E muitos desses eventos lidam com a possibilidade de desaparecer em 2016. Mesmo entre os grandes, ninguém parece a salvo. A MITsp enfrentou sérios problemas para colocar de pé a edição deste ano.
Maior e mais tradicional programação do gênero no País, o Festival de Teatro de Curitiba chegou praticamente a ser cancelado. Mas a crise, nesse caso, trouxe fôlego renovado ao evento, que começa nesta terça, 22, e segue até o dia 3 de abril. “Foi a crise que desencadeou esse processo de mudança”, considera o ator e encenador Guilherme Weber que, neste ano, assume a curadoria ao lado do diretor Marcio Abreu.
Sob a ameaça de dissolução do festival, o diretor Leandro Knopfholz teria começado a desmontar a estrutura estabelecida. Dispensou a antiga equipe de curadoria (formada por Tânia Brandão, Lúcia Camargo e Celso Curi), que ditava as linhas da programação havia mais de uma década e fez cair por terra o conceito que norteava a grade desde sua criação: a ideia de ser uma “vitrine do teatro brasileiro”. “Uma vitrine é para expor coisas e vender. E o festival nunca foi isso. Não é um mercado, como são outros grandes festivais, como Edimburgo e Avignon. Então, por que manter essa ideia?”, questiona Marcio Abreu.
De acordo com o antigo modelo, um dos maiores atrativos de Curitiba era o seu grande número de estreias. Apresentava-se ali, em primeira mão, o que os palcos restantes do Brasil viriam a conhecer a cada ano. A proposta, contudo, estava perdendo fôlego faz tempo.
“Fala-se muito em uma crise econômica, mas o que existe, sobretudo é uma crise no modelo dos festivais. É preciso repensar esse modelo e questionar qual a função de um festival no cenário que temos hoje”, pondera Abreu. O evento opera, em 2016, com um orçamento semelhante ao do ano passado: R$ 6 milhões.
Para Weber, o que ocorreu, essencialmente, foi uma mudança de parâmetros: “Abrimos mão do quesito novidade para passar a produzir pensamento”.
Chamada a assumir a curadoria em dezembro, a dupla teve pouco tempo para trabalhar. Mas valeu-se de algumas características para mudar as feições da programação.
Ambos têm laços fortes com a cidade: Weber é curitibano. Abreu, carioca, mas mantém o seu grupo, a Cia. Brasileira de Teatro, em Curitiba. O festival passou, naturalmente, a privilegiar o seu vínculo local.
E também a angariar obras que refletem sobre o Brasil. “Ainda não sabemos que retrato é esse de país que surge daí. É um país tão continental, que se apresenta em fragmentos”, diz Weber. “Talvez a pergunta seja que brasis são esses. E mais, como esses corpos, esses artistas, respondem ao que o País lhes revela”, pontua Abreu.
Desse embate com o real, saíram títulos como Cabras – Cabeças Que Voam, Cabeças Que Rolam, mais recente criação da Cia Balagan que se debruça sobre o universo do cangaço nordestino. E Caranguejo Overdrive, investigação sobre as mudanças geográficas no Rio do século 19. Outro destaque é a presença de Denise Stoklos, que não retorna a Curitiba com uma montagem inédita, mas com um antigo trabalho: Vozes Dissonantes, concebido para as celebrações dos 500 anos do Descobrimento do Brasil, em 2000.
As propostas cênicas mais convencionais continuam a merecer espaço na mostra oficial: há três montagens de Shakespeare e uma versão de Um Bonde Chamado Desejo, de Tennessee Williams. Mas o público será instado, ainda, a conhecer uma série de títulos que trafega na fronteira entre o teatro, a dança e a performance. Estão previstos um happening, dois solos e um recital. Entre eles, Processo de Conscerto do Desejo, no qual Mateus Nachtergaele recita textos escritos por sua mãe, morta em 1968. E Parallel-Song uma performance musico-teatral da dupla Fernanda Farah e Chico Mello – curitibanos radicados em Berlim.
Em suas edições anteriores, o festival paranaense havia investido na programação internacional e logrado apresentar alguns espetáculos notáveis. Caso de The Rape of Lucrecia, em 2014; e uma versão de Mãe Coragem e Seus Filhos, com a artista coreana JaRam Lee, em 2013. Isso não ocorre em 2016. Outra aposta recente que sai de cena é a da mostra como coprodutora de peças. As duas vertentes, contudo, devem merecer mais atenção nos próximos anos.
Com o intuito de permanecer à frente da programação por um período limitado – 3 ou 4 anos -, a atual dupla de curadores já prospecta títulos de fora para as edições futuras. E pretende dar protagonismo às coproduções. “É a grande possibilidade de assinatura de pensamento de um festival”, considera Weber. “Uma real possibilidade de produzir encontros e espetáculos que não existiriam sem esse estímulo.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.