Em 4 de junho de 1951, Harry Fischer, proprietário da galeria Marlborough, de Londres, ofereceu ao Museu de Arte de São Paulo (Masp) “uma das coleções mais sensacionais no mercado de arte” – a série de 73 bronzes criados por Edgar Degas (1834-1917). As obras chegaram ao Brasil em 1954 e, hoje, além do museu brasileiro, apenas o Metropolitan de Nova York, o Musée dOrsay de Paris e a NY Carlsberg Glyptotek de Copenhague possuem o conjunto integral de esculturas do artista francês. Entretanto, um novo capítulo envolvendo a dispersão de obras de arte durante a 2ª Guerra e, especificamente, 5 peças deste acervo, abriu-se, recentemente, na história da instituição brasileira.
Em 2013, representantes dos herdeiros do marchand alemão Alfred Flechtheim (1878-1937) entraram em contato com o Masp e com a galeria Marlborough para pedir informações sobre a proveniência dos bronzes de Degas. Os advogados Markus H. Stötzel, de Marburg, Alemanha, e Mel Urbach, de Nova York, investigam 5 das 73 esculturas do conjunto, alegando que as peças pertenceram ao galerista judeu, morto em Londres. “Flechtheim foi um dos primeiros alvos do terror nazista”, diz Urbach. “Ele saiu da Alemanha, o que resultou na perda de grande parte de sua coleção”, explica. Como o marchand e sua mulher, Betty, não tiveram filhos, Flechtheim deixou seu espólio para o sobrinho – atualmente, representado legalmente por sua esposa e por seu filho.
“Argentina, Brasil, México, Venezuela, Chile, Peru, Cuba, Uruguai, Panamá e Colômbia foram alguns dos países utilizados para mover obras de arte roubadas por nazistas”, afirma o texto de apresentação do especial jornalístico As Últimas Prisioneiras dos Nazistas na América Latina, produzido pela Connectas – Plataforma Jornalística para as Américas, e com o qual o Estado colaborou. A história envolvendo o Masp, O Rastro Perdido das Bailarinas de Degas (leia mais abaixo), abre o material do trabalho colaborativo, publicado na internet apenas em espanhol.
Segundo especialistas, mais de 600 mil obras de arte “mudaram de mãos de forma irregular entre 1933 e o fim da 2.ª Guerra Mundial, em 1945”. “O destino de 90% destas peças continua sendo um mistério”, explicam os editores do especial sobre arte e nazismo. Entre os protagonistas de histórias envolvendo o tema, está, por exemplo, o presidente do Panamá, Arnulfo Arias, que, segundo o FBI (EUA), teria ajudado o russo León Viasmensky, “um dos contrabandistas de arte roubada por nazistas”, a obter passaporte, sob o nome de Alfredo, e fazer vista grossa às suas atividades no país e outras localidades latino-americanas. Os marchands do regime nazista também ganham capítulo próprio.
Outro ponto levantado pela ampla investigação jornalística é o período em que o Brasil e, principalmente, a Argentina permaneceram neutros em relação à 2ª Guerra. Nesse momento, “praticamente, não houve controle que pudesse servir de obstáculo para a entrada de mercadorias, incluindo as apreciadas obras”. A Argentina ganha destaque ainda no especial pela reportagem sobre “o enigma da Galeria Wildenstein” na Avenida Córdoba, 618, em Buenos Aires – teria o local servido de depósito de obras de arte pelos nazistas?
“O sobrenome Wildenstein – dinastia de origem judia que também sofreu o saque de arte na França – aparece mencionado em várias comunicações interceptadas pelos Aliados, nas quais tratou-se de conseguir informação sobre obras roubadas por nazistas, que chegaram ou estavam por chegar da Alemanha e que, segundo os documentos, os Wildenstein vendiam logo e, às vezes, por preços muito baixos”.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.