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ESPAÇO AAPAH – Casa Saraceni – Justiça tarda…mas não falha?

Na madrugada de 04 de novembro de 2010, caía um patrimônio histórico edificado na cidade de Guarulhos. Não foi obra de uma catástrofe natural ou incompetência dos projetistas ou construtores antigos, pelo contrário, tratava-se de uma demolição “autorizada”pelos gestores da cidade e executada pelo proprietárioque arquitetava isso há pelo menos 12 anos, desde que adquiriu a propriedade.
 
Antes de explicarmos o tema é apropriado descrever porque a Casa Saraceni era importante patrimônio da cidade. Em fins da década de 1910, José Saraceni adquiriu da família Ferreira Endres, uma chácara à beira do caminho entre a Penha e Guarulhos e a bela casa em estilo art nouveau. Iniciou a construção da fábrica de polainas, uma das primeiras fábricas de Guarulhos. 
 
Ao longo tempo novas casas são edificadas, incluindo uma escola para os filhos dos trabalhadores da fábrica. Nasce então uma pequena vila operária, uma proposta de integração da organização à sociedade e que resultou em estreitamento das relações sociais estabelecidas no início do processo de industrialização do Brasil, final do século XIX e princípio do século XX. 
 
Durante a chamada Revolução Constitucionalista de 1932, o casarão serviu como campo de refúgio.Guiseppe Saraceni foi prefeito da cidade no ano de 1936 e o primeiro a ter uma carteira de motorista em Guarulhos.
 
A Chácara Saraceni foi vendida em 1973 à indústria de máquinas de datilografia Olivetti e parte das casas dos operários foram demolidas. Desse período, permaneceu no local a residência e o grande quintal da família Saraceni, sabiamente preservada por essa instituição particular. Demandas históricas, sociais, culturais e arquitetônicas influenciam o tombamento pelo município, através da lei orgânica no seu inciso XI do seu artigo 28 e promulgada em 05 de abril de 1990. Em 2000 após uma tentativa de demolição por parte de seus novos proprietários (o Grupo Internacional Shopping), o poder público municipal através do Decreto 21.143/00, ratifica o tombamento. 
 
Em 20 de maio de 2010 a câmara municipal, afetada por casuísmos e/ou alianças políticas e econômicas, aprova a impopular emenda a lei orgânica municipal elaborada pelo vereador Geraldo Celestino (PSDB), apesar da base aliada do governo (PT) ser supostamente contra o cancelamento de tombo da casa. 
 
Movimentos sociais e cidadãos guarulhenses reagiram contra essa decisão, inicialmente apoiados pelo executivo. No entanto, maquiavelicamente a secretaria de cultura, na figura do secretário de Cultura, Helio Arantes (PT) tutela uma reunião do Conselho de Patrimônio, organizado recentemente, sem regimento interno nem votação de quem exerceriam os cargos executivos, tampouco grupos de trabalho e outras seções que se adequassem a diagnosticar, estudar e discutir com a qualidade que o tema exige. 
 
A sociedade civil, em minoria, resistiu duramente nesta longa reunião (5 horas), mas sob influência do secretário e do parecer parcial e unilateral, feito por Carlos Augusto Mattei Faggin, professor titular da FAU–USP e conselheiro do CONDEPHAAT, parceiro de negócios do proprietário, a maioria dos conselheiros votam a favor do "destombamento", ratificando a decisão do legislativo. 
 
Na calada da noite do dia04 de novembro de 2010, assim que soube que haveria manifestações contrárias à demolição, sem a publicação do decreto do prefeito Sebastião Almeida (PT)no Diário Oficial, o Grupo Internacionalexecutou a destruição material da história guarulhense. Entraram para história as pessoas que participaram desse processo de "destombamento". A materialidade da memória ficou em ruínas. Mas a memória e história não se destroem. 
 
No ano que Guarulhos comemorava os seus 450 anos, esse foi o presente que a população ganhou… restou-nos lamentar? NÃO! A Associação Amigos do Patrimônio e do Arquivo Histórico (AAPAH) elaborou uma petição para o ministério público instaurar inquérito, tornando-se agora um processo em julgamento. Esperamos que a máxima acima se cumpra e os responsáveis sejam devidamente julgados e punidos na forma da lei, que tarda, mas não falha, como diz o antigo dito popular.
 
*Pós-graduado em história, Cofundador da AAPAH, membro da Academia Guarulhense de Letras, presidente do Conselho Municipal de Patrimônio Histórico de Guarulhos, autor de vários livros sobre a História de Guarulhos
 

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