Retratada na história brasileira como uma mulher apagada, que viveu à sombra da grandiosidade do marido, d. Pedro II, a imperatriz Teresa Cristina (1822-1889) teve papel importante no desenvolvimento da ciência no Brasil do século 19. Ela era entusiasta da arqueologia, e, italiana, trouxe para cá achados originários de terras de sua família em cidades do sul de seu país, que serviram de base à coleção de arqueologia clássica do Museu Nacional, no Rio, considerada o mais relevante conjunto greco-romano da América do Sul.
A exposição tributo Teresa Cristina: A Imperatriz Arqueóloga, que será aberta ao público nesta sexta, 1.º, busca redimir a figura de Teresa Cristina Maria de Bourbon, “a mãe dos brasileiros”. Descrita nos livros didáticos como uma esposa cordata, dedicada à vida doméstica e obediente ao imperador, mesmo comprovada sua infidelidade, ela ganha brilho quando enaltecido seu papel de mecenas da arqueologia, sua formação voltada à valorização da arte e da cultura e o genuíno interesse pela ciência que busca vestígios do passado, que a levou a acompanhar o marido em viagens ao Egito e a sítios arqueológicos da Itália.
“Ela gostava do assunto desde nova, quando a arqueologia ainda não era uma ciência. Os exploradores não tinham método, mas os achados trazidos pela imperatriz seguiram um cuidado de catalogação”, conta a curadora Sandra Ferreira, historiadora e arqueóloga que se debruçou sobre essa coleção em sua tese de doutorado.
“Teresa Cristina sempre foi vista como alguém ofuscada pelo rei filósofo, mas era muito culta, tinha interesses que não eram comuns para uma mulher do século 19”, disse Evelyne Azevedo, historiadora da arte, doutora em arqueologia e curadora da exposição.
Ela lembra que a imperatriz enviou exemplares da arte indígena brasileira, que estão no acervo do Museu Pré-histórico e Etnográfico Luigi Pigorini, em Roma, detentor de uma das maiores coleções de peças de índios brasileiros no exterior – uma mostra de seu arrojo.
“A imperatriz tinha interesse na constituição de uma identidade ítalo-brasileira, de trazer para o Brasil a herança clássica. Ao contrário de d. Pedro II, um colecionista, que mantinha um esquife de múmia no escritório, ela era encantada pelo estudo do passado”, aponta.
O museu guarda 759 peças em sua Coleção Teresa Cristina; parte, constitui sua exposição permanente. Noventa foram escolhidas para esta exibição e nunca haviam sido mostradas ao público. São vasos, estatuetas, amuletos, panelas, objetos de uso pessoal, como caixas de joias, pulseiras e anéis, resultado de escavações ou achados ao acaso em cidades como Herculano e Pompeia, na região de Nápoles (terra natal da imperatriz), colônias gregas também no sul da Itália e em Veios, perto de Roma. As mais antigas datam do século 7.º a.C.
Financiadas por Teresa Cristina, as pesquisas no solo foram feitas entre 1853 e 1889. A primeira parte do material foi trazida ao se casar. Ela chegou a terras brasileiras em 1843, para o encontro com o marido, e esse conjunto inicial fazia parte de seu dote.
Outra parte da coleção veio 12 anos depois, a mando do irmão de Teresa, Ferdinando II, rei das Duas Sicílias. Ele atendeu a um pedido da irmã, que queria robustecer o Museu Nacional, fundado em 1818 como Museu Real por d. João VI, avô de d. Pedro II, no centro do Rio. É o mais antigo museu e centro de ciências do Brasil e foi instalado no Palácio de São Cristóvão, residência da família imperial, com o advento da República, em 1889. Teresa morreu em Portugal, 53 dias depois da proclamação, do coração.
Maurício Vicente Ferreira Júnior, diretor do Museu Imperial, que possui o principal acervo relativo ao período do império, acredita que seus gostos tenham sido influenciados pelos do marido, “cientista autodidata e diletante”. “A vinda de achados arqueológicos, por intermédio dela, igualou o Brasil na criação de coleções do período antigo, como outros países estavam fazendo à época”, ele acredita.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.