Enrique Rottenberg nasceu na Argentina, foi cineasta em Israel e há nove anos se transformou em um artista cubano. Entre o último filme e o primeiro projeto fotográfico na ilha caribenha, houve um hiato de 15 anos, nos quais se afastou da arte para se dedicar à outra forma de criação: a construção e gerenciamento do único complexo de escritórios comerciais existentes em Havana.
Judeu e filho de imigrantes poloneses, Rottenberg era um cineasta reconhecido em Israel quando decidiu trocar o país por Cuba, em 1994, quando tinha 46 anos. Sua última obra, A Vingança de Isaac Finkelstein disputou o Oscar de melhor filme estrangeiro em 1994. “Eu sou um internacionalista, mas sou um artista cubano”, disse Rottenberg à reportagem em sua casa à beira-mar em Havana.
Em 2007, o argentino-israelense-cubano escolheu a fotografia como sua nova forma de expressão artística. Seu primeiro projeto foi Dormi Com… para o qual visitou 700 casas em toda a ilha para registrar os quartos de seus moradores. “Cuba é o único país do mundo em que você tem a liberdade de entrar em cada buraco do país. Eu batia na porta e as pessoas me deixavam entrar.”
Segundo ele, essa possibilidade é proporcionada pela hospitalidade dos cubanos e pelos baixos índices de criminalidade. “À diferença do Brasil, eu tenho certeza de que nada acontecerá comigo aqui.”
Rottenberg se considera um artista “provocador”, o que fica evidente em seus autorretratos e em sua mais recente série, Utopia, para a qual fotografou mulheres do bairro Buena Vista, em Havana. Na maioria das imagens, elas estão nuas ou parcialmente nuas, muitas das quais com suas barrigas e seios flácidos. Em um dos trabalhos, mulheres de diferentes idades e manequins estão em fila indiana, com um olhar digno e desafiador para a câmera.
“Esse país não teve influência da Igreja Católica por 50 anos, o que torna o conceito de sexualidade bastante distinto do restante da América Latina”, afirma Rottenberg. “Pedir que uma senhora se desnude para a câmera não é algo absurdo”, observou. “Aqui, tudo é possível.” Ele próprio aparece nu ou seminu em algumas de suas fotos. Na que utilizou em seu cartão de visitas, o fotógrafo está sem roupa, de quatro e no meio de um grupo de porcos. “Eu não devo nada a ninguém e me dou o direito de me fotografar como queira.”
A psicanálise e o inconsciente estão no centro de sua criação, que fala sempre dele próprio, mesmo quando as mulheres de Buena Vista são retratadas. “Eu trato da idade e do direito à felicidade, que não é privilégio dos jovens, loiros e magros”, afirma Rottenberg, que disse se sentir cada vez mais “invisível” à medida que a idade avança – o fotógrafo está com 67 anos.
Além da liberdade de bater na porta de desconhecidos, Rottenberg foi atraído pela originalidade da paisagem arquitetônica e a diversidade humana de Cuba.
Com seus carros dos anos 50 e edifícios em distintos estágios de decrepitude, o país parece ter saído do cenário de um filme. “As paredes têm um sem número de texturas e cores e as pessoas também têm incontáveis cores e texturas”, observa. Na série Dormi Com… os protagonistas são as paredes, móveis e objetos. Os habitantes dos quartos estão ausentes, o que dá ao espectador a possibilidade de imaginá-los a partir do local onde passam suas noites.
Em Utopia, as pessoas comandam as fotos. Parte dos trabalhos da série está exposta na Fábrica de Arte Cubano (FAC), um espaço aberto há dois anos em Havana para abrigar atividades relacionadas à fotografia, arquitetura, música, dança, cinema e moda. Localizada em uma antiga fábrica de óleo, a FAC é o local onde jovens descolados da capital cubana passam suas noites, entre exposições, shows e mojitos.
“Os jovens cubanos não tinham onde se reunir, escutar música e se divertir. A maioria dos locais de Havana foi feita para os turistas”, disse Rottenberg. O local foi idealizado pelo roqueiro, rapper e cineasta cubano X Alfonso.
Além das fotos, também estão expostos na FAC os trabalhos da série El Doble (A Dupla), na qual as imagens captadas por Rottenberg são parcialmente cobertas por pinceladas do pintor cubano Carlos Quintana, criando uma forma artística híbrida.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.