Variedades

Retrospectiva de Augusto de Campos reúne 75 obras

“Wozu Dichter in dürftiger Zeit?” Para que poetas em tempos de indigência? A pergunta do poeta alemão Friedrich Hölderlin (1770-1843), feita em sua elegia Brot und Wein (Pão e Vinho), ainda ecoa na cabeça do poeta Augusto de Campos, aos 85 anos. Um dos maiores nomes da poesia contemporânea, tradutor de Pound, Joyce e Maiakovski, Campos, porém, não deveria mais fazer essa pergunta, que serviu de epígrafe ao seu primeiro livro publicado, O Rei Menos o Reino (1951). No entanto, 65 anos depois de sua estreia literária, essa é uma pergunta ainda pertinente, diz Campos, um dos criadores da poesia concreta brasileira. “Não esperava ver o Brasil passar por um retrocesso após todos esses anos”, justifica o poeta, diante do quadro político em que os poetas nem sequer são lembrados para dar sua opinião sobre os destinos do País.

A indigência, no caso, refere-se ao antipoético espetáculo que se viu na votação do impeachment de Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados, lembra Campos. A sinistra sessão, segundo o poeta, revelou um quadro de afasia poucas vezes visto no Brasil, mesmo nos tempos de escuridão ditatorial. Vale, então, a pergunta de Hölderlin? “Sim”, responde o poeta, que é homenageado com a retrospectiva Rever, aberta ao público a partir desta quinta, 5, no Sesc Pompeia. Trata-se da maior mostra dedicada ao premiado Augusto de Campos, que lançou há 64 anos, ao lado de dois outros poetas, o irmão Haroldo de Campos e Décio Pignatari, a revista Noigandres, embrião do grupo literário que deu início ao movimento concreto na poesia brasileira.

Como os poetas concretos sempre estiveram ligados às artes visuais, era natural que os artistas dessa tendência desenvolvessem com eles trabalhos conjuntos. Assim, a retrospectiva cobre, em 75 obras, todos os períodos de criação de Campos, desde colagens feitas nos anos 1960 ao lado de Waldemar Cordeiro, líder dos artistas concretos, até parcerias mais recentes. Vale lembrar que a música também bebeu na fonte dos concretos. Por isso, a mostra explora o conceito “verbivocovisual” – termo cunhado por Joyce e “transcriado” por Campos – ao incluir, além de colagens popcretas (1964-1966), manuscritos, fotografias, protótipos de obras e poemas objetos, experiências musicais com compositores do nível de Caetano Veloso e Arnaldo Antunes, que podem ser ouvidos em gravações na área de convivência do Sesc Pompeia, onde está instalada a retrospectiva.
Tendo como curador Daniel Rangel, diretor artístico do Instituto de Cultura Contemporânea, Rever, como indica o título do poema de 2003, tem caráter retrospectivo, por abranger todas as etapas da poesia de Augusto de Campos, mas é igualmente uma mostra prospectiva, por acentuar esse aspecto visual e musical que justifica o termo “verbivocovisual” e abrir caminho para um diálogo entre o poeta e criadores de outras gerações – entre eles o próprio filho, o compositor Cid Campos.

Várias obras ganham novos suportes na mostra concebida por Rangel. O poema Viva Vaia (1972), que evoca a vaia recebida por Caetano Veloso nos anos 1960, durante um festival de música, vira uma escultura penetrável em MDF, aço e tinta vermelha. Código (1973), cujas letras formam um desenho circular de caráter construtivo que redefine o signo verbal, é transformado numa escultura em chapa de PVC, aço e madeira. Poemas como Rever são exibidos em versão 3D. Cidade/City/Cité (1963) ganha uma releitura em LED. Só não passaram por mutações poéticas as colagens originais da fase popcreta, mostradas uma única vez na Galeria Atrium, justamente no ano do golpe militar de 1964.

“Foi numa mostra organizada por Waldemar Cordeiro na (extinta) galeria Atrium”, conta Augusto, apontando o poema Psiu, uma espécie de ready made feito com recortes de jornais com os olhos dos protagonistas políticos daquele ano que, segundo o poeta, “desmontou a minha utopia”. Campos sempre teve aversão a regimes totalitários, ao contrário de Ezra Pound, poeta que traduziu, francamente simpático aos fascistas. Também nunca foi comunista como Maiakovski, o desmesurado poeta da Revolução Russa. “Veja só que ironia: o primeiro morreu num hospital psiquiátrico e o segundo se matou”, comenta o tradutor, ao lado de um de seus “profilogramas” , um belo poema visual em que o perfil de Pound se funde ao de Maiakovski (e, na foto maior desta página, ao de outro gigante da poesia, o brasileiro Augusto de Campos).
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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