Legenda: Mastro erguido durante a Festa da Carpição e de Nossa Senhora de Bonsceusso. Ano: 2015. Acervo: AAPAH/Bruno Leite de Carvalho.
Já falamos aqui neste espaço sobre a legislação atinente ao Tombamento de Bens Culturais guarulhenses. Apontamos também que a figura jurídica do Tombamento refere-se à preservação de um bem material e tangível, como uma casa, uma antiga igreja, ou um acervo de obras de um artista relevante.
Todavia, há bens culturais intangíveis que recebem um tipo de proteção jurídica similar e mais adequado à sua realidade. À ele damos o nome de Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial. Este dispositivo de proteção jurídica foi criado pelo Decreto Federal nº 3551 de 04 de agosto de 2000, na esteira do que dispõe os artigos 215 e 216 da Constituição Federal e a Convenção da Unesco para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, ratificada pelo Brasil em março de 2006.
No Brasil temos como órgão máximo de deliberação e pesquisa sobre Patrimônio Histórico o IPHAN (Pronuncia-se ‘Ifã’) – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, autarquia ligada à Secretaria Nacional de Cultura, órgão do ressucitado Ministério de Educação e Cultura (MEC).
Conforme a definição do IPHAN, “os bens culturais de natureza imaterial dizem respeito àquelas práticas e domínios da vida social que se manifestam em saberes, ofícios e modos de fazer; celebrações; formas de expressão cênicas, plásticas, musicais ou lúdicas; e nos lugares (como mercados, feiras e santuários que abrigam práticas culturais coletivas)”.[1]
Neste sentido, a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), órgão ligado à ONU (Organização das Nações Unidas) define bens culturais imateriais, em seu Artigo 2 como: “as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas – junto com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados – que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural”.
Ainda, complementa da seguinte forma: “Este patrimônio cultural imaterial, que se transmite de geração em geração, é constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua história, gerando um sentimento de identidade e continuidade e contribuindo assim para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana”.
O Registro destes bens, seguindo a lógica do Tombamento (Inscrição no Livro de Tombo) se dá nos seguintes livros:
I – Livro de Registro dos Saberes, onde serão inscritos conhecimentos e modos de fazer enraizados no cotidiano das comunidades;
II – Livro de Registro das Celebrações, onde serão inscritos rituais e festas que marcam a vivência coletiva do trabalho, da religiosidade, do entretenimento e de outras práticas da vida social;
III – Livro de Registro das Formas de Expressão, onde serão inscritas manifestações literárias, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas;
IV – Livro de Registro dos Lugares, onde serão inscritos mercados, feiras, santuários, praças e demais espaços onde se concentram e reproduzem práticas culturais coletivas.
Vejamos alguns exemplos de Bens Culturais Imateriais registrados como Patrimônio Imaterial Brasileiro, somente aqui do Estado de São Paulo: “Ofício dos Mestres de Capoeira”, no livro de Saberes; “Fandango Caiçara” e “Jongo do Sudeste”, no livro de Formas de Expressão.
Outro exemplo de bem cultural paulista é o Samba Paulistano, registrado no livro de Formas de Expressão, em âmbito estadual.
Na cidade de Guarulhos, a legislação está em sintonia com o arcabouço jurídico de proteção aos bens culturais imateriais. A Lei Orgânica, em seu artigo 222 prevê que: “O Município adotará medidas de preservação dos documentos, obras, monumentos, além de outros bens de valor histórico, artístico e cultural, bem como das paisagens naturais e construções notáveis e dos sítios arqueológicos, ouvida, quando for o caso, a comunidade local”.
Ainda, o artigo 224, Parágrafo único, do mesmo diploma legislativo prevê, in verbis:
Art. 224. O governo municipal providenciará na forma da lei a proteção do patrimônio histórico, cultural e paisagístico.
[…]
Parágrafo único. O disposto neste artigo abrange os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, relacionados com a identidade, a ação e a memória, dos diferentes grupos formados da comunidade guarulhense, incluídos:
I – as formas de expressão;
II – os modos de criar, fazer e viver;
III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados a manifestações culturais;
V – os conjuntos urbanos e sítios de valores histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico, científico e turístico.
Especificamente, a legislação municipal guarulhense não prevê um rito especial diferenciado para o Registro de Bens Imateriais, sendo assim, é preciso utilizar-se, por analogia, do rito previsto no Decreto Federal nº 3.551 de 04 de agosto de 2000. Falaremos sobre este rito diferenciado no próximo artigo.
Em Guarulhos acontece todos os anos, a “Festa da Carpição”[2], que completou 274 anos em 2015, reunindo romeiros de diversas partes de São Paulo, no histórico bairro de Bonsucesso, com rituais e festejos muito interessantes, a exemplo do “Círio de Nazaré”, patrimônio imaterial brasileiro, que acontece todos os anos em Belém do Pará.
Este é um verdadeiro exemplo que pode, facilmente, ser o primeiro bem cultural imaterial guarulhense.
[1] http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/234
[2] http://aapah.org.br/tag/festa-da-carpicao/
Advogado, especialista em Direito do Entretenimento, Patrimônio Histórico e Cultura. Pós-graduando em Gestão Cultural pela Universidad Nacional de Córdoba – Argentina. É membro da AAPAH – Associação Amigos do Patrimônio e Arquivo Histórico e Pai do Ariel.