Variedades

Longa encara tabu do sexo na velhice

Existem grandes filmes sobre a velhice e nem é preciso pensar muito para citar logo dois – Umberto D, de Vittorio de Sica, de 1951, e Morangos Silvestres, de Ingmar Bergman, de 1959. O primeiro, no auge do neorrealismo, é considerado o ápice da parceria entre De Sica e o roteirista Cesare Zavattini. Conta a história da penúria de aposentado idoso que só tem a companhia de um cachorro e que chega próximo da mendicância. É a dignidade que o impede de estender a mão. Umberto D carrega no social, Morangos Silvestres tem outra pegada. O filme narra a odisseia interior do Professor Isak Borg, que atravessa os planos da realidade, da lembrança e da imaginação para resolver o problema de sua vida sem amor.

Podem existir outros filmes clássicos sobre o assunto, mas nenhum se compara a A Despedida, o longa de Marcelo Galvão em cartaz desde a semana passada nos cinemas brasileiros. Galvão venceu o Festival de Gramado de 2011 com Colegas, road movie que segue as aventuras de um trio de downianos. Colegas causou certa comoção, inclusive por ser interpretado por downianos de verdade, e isso deve ter pesado na decisão do júri que superpremiou, de forma um tanto excessiva, o longa na serra gaúcha. Galvão voltou a Gramado em 2014 com A Despedida e, desta vez, o júri atribuiu-lhe os Kikitos de direção, melhor ator e atriz. A Despedida é melhor (muito) que Estrada 47, sobre um pelotão da FEB na guerra da Itália, que venceu como melhor filme. E faz história nessa vertente da terceira idade ao abordar um tema que nem Bergman nem De Sica sequer sugerem em seus longas admiráveis – a sexualidade.

Sexo na terceira idade

Para entrar no espírito da obra, o espectador passa de cara por uma prova árdua, a cena inicial, que é lenta e exasperante. O personagem de Nelson Xavier, arruma-se para sair. Almirante tem mais de 90 anos. Cada gesto é uma dificuldade – vestir a calça, uma perna, a outra. Calçar as meias, os sapatos. Cada gesto parece que demora uma eternidade, até que, finalmente, Almirante vai para a vida. Esse idoso tem uma amante jovem, e bela – tão bela que é interpretada por Juliana Paes, e por mais desglamourizada que esteja, ela é sempre aquele espanto. Xavier e Juliana venceram os prêmios de interpretação em Gramado. A pergunta que não quer calar – como um vovozinho daqueles dá conta de um vulcão como ela? Almirante tem uma fala – enquanto tiver dedo e língua… E o resto fica por conta do leitor.

Mesmo que não tenha colocado o tema do sexo em sua abordagem do velho Professor Borg, Bergman filmava para, segundo suas palavras, encarar dois temas fundamentais – os tormentos do sexo e o silêncio de Deus. Sexo e fome, ele dizia, são os instintos básicos que impulsionam o gênero humano. Almirante é a prova. Ele pode estar nas últimas, e tem consciência da proximidade da morte. Conhece suas limitações melhor que ninguém – é comovente a cena em que tira a fralda e suspira aliviado porque está limpa. Mas da mulher, e do sexo, não desiste. Morena, a personagem de Juliana, retribui, com seu carinho por esse homem que, com certeza, já conheceu melhores dias. Foi jovem e potente. O problema, reconhece Almirante, “não é ter ficado velho; é ter sido jovem”.

Talvez a história de A Despedida tenha algo de utopia, mas não é por causa da ligação de Almirante e Morena. De cara, ao sair de casa, o idoso descobre que precisa de dinheiro. E dá seu cartão e a senha para uma estranha, uma loura, que some da vista do espectador e fica um tempão fora da tela. Cria-se o mal-estar. Ela vai sumir com o dinheiro de Almirante? Diariamente, a crônica policial nas grandes cidades brasileiras dá conta de inúmeros aposentados que são roubados em portas de banco. Pode até existir uma questão social em A Despedida. O filho de Almirante preocupa-se com o pai, mas tende a considerá-lo incapacitado. Faz questão de acompanhá-lo no café, que é onde ele diz que vai, mas não é nada isso. A Despedida é um dos muitos filmes brasileiros em cartaz.

Somente nesta quinta, 16, entraram o blockbuster Mais Forte Que o Mundo – A História de José Aldo (ainda não é bem a estreia, mas uma pré-estreia com horários cheios em dezenas de salas) e obras de um perfil mais autoral, como Big Jato e Trago Comigo. São todos filmes de qualidade, competindo entre si. O público tem maltratado a produção nacional. Tem filme entrando para fazer 1.500 espectadores, 1.300 no primeiro fim de semana (casos de O Outro Lado do Paraíso e Campo Grande). Mesmo que seja pelo esplendor de Juliana Paes, vá ver A Despedida. Você descobrirá Nelson Xavier, um trabalho maduro de direção, um belo filme.

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