Depois de dez anos de procura por áudios, liberações autorais e capas de disco, o pesquisador Rodrigo Faour faz uma de suas entregas mais trabalhosas. A caixa Jackson do Pandeiro – O Rei do Ritmo é uma conquista histórica. Ela traz nove discos nos quais se agrupam 15 álbuns de Jackson, resultando em um total de 235 faixas. Os dois que aparecem na íntegra são Aqui Tô Eu, de 1970, e Isso É Que É Forró, de 1981, sua última gravação. O trabalho de Faour foi maior do que localizar as obras nas gravadoras pelas quais passou o “Rei do Ritmo”. Áudios e capas estavam desaparecidos. Autores que jamais haviam sido procurados, já que muitas músicas nunca foram reeditadas sequer em LPs, tiveram de ser localizados por Faour.
Assim que o primeiro levantamento foi feito havia 50 músicas gravadas sem editoras localizadas. Velhos amigos ajudavam, mas ainda houve um material que não pôde ser lançado por falta de liberações: duas músicas da fase dos discos em 78 rotações, sete faixas dos primeiros 11 discos de Jackson e uma entre as 62 avulsas, chamadas de raridades. Ao todo, 10 músicas não entraram no resgate. “Alguém ainda pode ficar chateado, mas mesmo o fã vai entender o trabalho que fizemos para saírem essas 235 músicas”, diz Faour. Ele recuperou as capas com fãs e colecionadores, já que os arquivos das companhias não guardaram esse material. Os áudios da fase em que Jackson gravou LPs pela Philips, entre as décadas de 1960 e 1980, foram encontrados em ótimo estado, ao contrário dos mais prejudicados, deixados pela Copacabana. “Acho que o maior mérito foi conseguir trazer essas músicas com o som bacana”, afirma Faour. “Há detalhes no canto de Jackson, na métrica e na divisão, que poderiam ficar perdidos se o som não fosse bom.”
O “Rei do Ritmo” veio ao mundo quando outro rei, o do baião, já havia se consolidado como o homem que carregaria nas costas a cultura de um povo inteiro. Luiz Gonzaga já era Gonzagão em 1953, assim que Jackson do Pandeiro, quase que tardiamente, aos 35 anos, lançou Forró em Limoeiro e Sebastiana. A aparição do baixinho eletrificado, com mais vigor cênico que Gonzaga e ao lado de uma mulher de magnetismo próprio, a dançarina e compositora Almira Castilho, perturbou o ego. “Gonzaga não grava músicas de Jackson e Jackson não grava Gonzaga. Esse encontro só vai acontecer nos anos 1970, em uma rádio no Rio de Janeiro. Acredito que Jackson incomodava Luiz Gonzaga, que tinha um ego bem grande”, comenta o pesquisador.
Jackson de Alagoa Grande, no interior da Paraíba, trazia novas informações aos baiões, xotes e xaxados do pernambucano Gonzagão, de Exu. Sua divisão única, suas melodias, a forma como usava os regionalismos para trazer leveza e graça sem apelações, foram logo entendidos como a novidade que tomava o País. Coco, rojão, umbigada, frevo e samba eram seu território sagrado. Foi nele que ergueu uma coleção que seria cristalizada no tempo. Sebastiana, Forró em Caruaru, Forró em Limoeiro, Um a Um, Dezessete na Corrente, Xote de Copacabana, Cabo Tenório. Mas ainda havia gravações que fazia como convidado em outros discos.
Os anos 1960, representados em três álbuns duplos na coleção, ainda que produtivos, golpearam a carreira dos artistas de maior devoção nordestina. A criação da música de longo alcance, a partir da bossa nova e seguida pela Era dos Festivais e Jovem Guarda, deixaram Jackson e Gonzaga em terceiro plano. Depois de alguns recolhimentos, Jackson voltaria triunfante justamente pelas mãos dos tropicalistas. Seria festejado por nomes nos anos 1970, como Alceu Valença e Geraldo Azevedo. Alceu o louva como um de seus mestres e sai com ele em turnê do projeto Seis e Meia. A obra de Jackson, morto em 1982, teria outro retorno no início de 2000, que o apresentaria aos jovens.