E se o melhor falsário de Rembrandt (1606-1669) fosse um computador? Mais de três séculos após a morte do pintor holandês, um programa informático teria sido o primeiro a realizar a proeza de criar uma nova obra: O Próximo Rembrandt. Revelada há alguns dias, em Amsterdã, a tela pode iludir os observadores menos atentos. É primorosa, porém não encerra a alma do artista.
Esta obra-prima artificial é o fruto do trabalho de historiadores, programadores e analistas, saídos da Microsoft, do banco ING, da universidade de Delft e de museus holandeses. Ron Augustus, especialista da firma americana do Vale do Silício (que hoje está em Redmond), explicou a metodologia: “Utilizamos a informática para analisar dados, como Rembrandt usava lápis e pincéis para criar algo de novo”.
A experiência durou 1 ano e meio e começou pela constituição de uma base de dados exclusiva: mais de 300 obras do mestre passaram por um scanner 3D e um algoritmo reteve as principais características das pinturas. “Para ser fiel ao mestre, o programa calculou que era preciso fazer o retrato de um homem branco, entre 30 e 40 anos, com roupas escuras, colarinho claro e um chapéu”, disse Emmanuel Flores, diretor técnico do projeto.
A análise desses dados permitiu aos informáticos afinar o retrato-robô encontrando, de fato, traços que fazem de um Rembrandt um outro Rembrandt. E se falsos verdadeiros mestres feitos por máquinas 3D, em 148 milhões de pixels, invadissem o mercado?
No ano passado, a Fujifilm belga não desenvolveu uma técnica de varredura por laser? Não fez uma impressão de alta resolução em 3D de 31 clones de Van Gogh? Tudo foi reproduzido à perfeição, até as pequenas rachaduras do verniz! A venda de nove dessas cópias apócrifas, por ¤ 25 mil cada uma, remetem a 1985, quando dois peritos europeus questionaram a autenticidade de um Rembrandt e um Ticiano do acervo de museus de Berlim Ocidental e Munique. O assunto mereceu matéria no Caderno 2: os famosos Homem do Capacete Dourado e Retrato de Carlos Vum teriam sido pintados por desconhecidos, provavelmente da mesma época e do mesmo grupo a que pertenceram os grandes mestres.
Qual a real importância da assinatura para uma obra de arte? No visionário Verdades e Mentiras, de Orson Welles, a catedral gótica de “autoria desconhecida”, que aparece no fim, representa justamente a interrogação do cineasta diante do relato sobre Elmyr de Hory, o falsário. Inspirado no livro Fake!, Welles pergunta: “Há menos autenticidade na obra anônima ou falsificada, aquela que não possui assinatura, do que naquela que espelha os credos artísticos coletivos, a que se convencionou chamar de obra de mestre?”.
Hoje, a própria produção contemporânea corrobora essa questão. Mais do que isso, faz prever um futuro no qual talvez importará pouco a originalidade da obra. A queda dos imperativos dentro da arte diminuem o nível de exigência da audiência, a ponto de ela eleger um novo mito “a cada 15 minutos”, como adivinhou Warhol. O “estilo internacional”, seja ele qual for, continua a se autoalimentar. Estabelecem-se trocas e conexões por meio de publicações especializadas e exposições internacionais e forma-se um circuito em que a assinatura do artista só interessa ao mercado.
É possível que, no futuro, a linguagem artística não apenas deverá ser um bem comum desfrutado por todos, como poderá até mesmo perder a sua secular condição de “tabu”. E, por fim – legitimamente apócrifa -, ser empregada com a prerrogativa de pertencer ao repertório expressivo de cada um.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.