ZÉ RAMALHO, CANTOR E COMPOSITOR
Zé Ramalho vai festejar 40 anos de carreira com um box lançado pelo selo Discobertas, do produtor Marcelo Fróes. O material terá um CD acústico duplo com 22 sucessos de voz e violão, um DVD com o making of desta gravação e um terceiro CD bônus, que Zé gravou há 20 anos, também em voz e violão, mas que jamais lançou. É a primeira vez que o Discobertas, especializado em reeditar discografias históricas, trabalha com um disco inédito. Sobre seus 40 anos de estrada, Zé, que se apresenta nesta terça (28), no Teatro Bradesco, falou com o Estado por e-mail de sua casa, no Rio.
Voz e Violão é o melhor formato para mostrar a canção?
Bem, que pode ser um dos formatos para mostrar as canções. Existem muitos para se fazer um trabalho de celebração de 40 anos de carreira. E esse voz e violão não existia ainda na minha discografia. Parece simples – e é – para quem fez as músicas, mas, para o ouvinte, que vai consumi-lo, é uma novidade! São as canções que me acompanharam durante esses 40 anos.
Você iria fazer um projeto parecido quando completava 20 anos de carreira. Quando ouve as versões tocadas com diferença de 20 anos, o que observa que elas têm de diferente?
As músicas estão mais maduras, no modo de cantar e tocar. Minha voz ficou mais grave, mas não precisei mudar os tons originais. As versões atuais estão um pouco mais lentas e soltas.
Suas letras são complexas e sua poesia traz uma narrativa cinematográfica, com figuras de linguagem e significados ocultos. Como nasce essa forma de compor?
Acho que foi devido ao período de minha formação intelectual e cultural, quando eu li e pesquisei livros filosóficos, livros de psicanálise, livros de ufologia, de misticismo, além de passagens bíblicas e da minha paixão pelo cinema, de onde tiro muitas situações e visões para transformar em letras que fazem os fãs “viajarem” quando escutam. Vila do Sossego é um exemplo dessas referências. Está cheia de passagens literárias e cenas cinematográficas.
Você acredita que muitos fãs podem cantar canções suas sem entender o que estão cantando? Isso faz alguma diferença para você?
Absolutamente! É uma das curiosidades do meu trabalho. Aliás, há na internet uma citação de um fã que deixou o seguinte recado para mim: “Zé, presenciei uma cena curiosa, um morador da periferia de Manaus escutando Avôhai. Quando eu estava caminhando pelo bairro, perguntei a ele: Você entende o que quando escuta essa música?. E ele respondeu imediatamente: Não entendo nada, mas acho bonito. É isso. O que as pessoas sentem é o que importa. Letras que carregam tais componentes são raras hoje em dia, devido à banalidade da grande maioria das canções executadas em rádio e TV.
Acredito que suas crenças interferem diretamente na criação. Você segue sendo o homem mítico, crente no mistério, nas vidas inteligentes fora do planeta? Ou algo mudou?
Nada mudou, continuo acreditando em todas essas fontes. Se algo modificou, foi no sentido de refinar cada vez mais essas minhas crenças. Não faço disso propaganda pessoal para ter ecos e respostas dos que me ouvem, mas sim, para alimentar tudo que plantei e colhi durante todos esses anos.
Drogas também estão no centro para alguns criadores. Você faz uso delas para chegar a alguns resultados específicos?
Houve um tempo, quando eu era jovem, em que fazia uso de algumas substâncias para despertar o lado criativo na hora de compor. Nos anos 1970, maconha, LSD e alguns cogumelos foram fontes de busca até porque Avôhai é uma música lisérgica, além de espiritual. Nela, durante a feitura, tem uma parte que diz: “Amanita matutina que transparente cortina ao meu redor”. Amanita é uma das espécies de cogumelos alucinógenos e eu descrevo uma parte da “viagem” nessa letra. Isso foi um período da minha vida em que me propus experienciar, como diria Jimi Hendrix: “Are you experienced?”. E há várias outras canções que estão ligadas a essas experiências. Hoje, navego com minha cabeça, mais tranquilo, mas sem nunca esquecer dessas sensações.
Há algum artista com o qual ainda gostaria de gravar?
Não são muitos, já gravei com quase todos considerados grandes. Hermeto Pascoal, Egberto Gismonti, os guitarristas Sérgio Dias, Pepeu Gomes, Robertinho de Recife, Andreas Kisser, Roberto Frejat… Além de imprimirem qualidade na gravação, dão grande prazer. Mas ainda posso ter, quem sabe, a chance de ter um músico como (o mexicano) Carlos Santana em um disco meu.
Para um homem que não esconde em sua obra a afeição por seus ídolos, qual outro nome poderia ainda ganhar um disco temático gravado por você?
Que tal “Zé Ramalho canta Elvis Presley”? Gostaria também de fazer um disco só com músicas da Jovem Guarda, que muito me incentivou no início da minha formação.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.