IRVINE WELSH, ESCRITOR E ROTEIRISTA ESCOCÊS
A barra sempre pesou na escrita do escocês Irvine Welsh. Basta acompanhar a célebre galeria de desajustados formada por Spud, Sick Boy, Renton e Begbie, eternizada no romance Trainspotting (1993), que lhe rendeu o status de grande nome da literatura britânica moderna. Welsh é um dos destaques desta quinta, 30, da 19ª Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip, que acontece na cidade fluminense. Ele dividirá a mesa das 21h30 com o americano Bill Clegg.
Entre outros assuntos (como relembrar sua primeira vinda ao Brasil), Welsh deve conversar sobre seu mais recente romance publicado no País, A Vida Sexual das Gêmeas Siamesas (Rocco). Se, em Trainspotting, ele chafurdou o mundo dos guetos, dos pubs e das drogas, agora investe contra a praia e o culto ao corpo perfeito.
O romance se passa em Miami, onde uma personal trainer interfere em uma tentativa de assassinato, ao imobilizar um homem armado. Como o ato foi registrado por uma câmera de celular, Lucy Brennan logo se transforma em uma sensação midiática, atrás apenas de gêmeas siamesas de 15 anos do Arkansas que também colocaram a nação em suspenso com seu dilema moral: o que fazer quando uma quer sair enquanto a outra prefere ficar em casa?
Bem humorado, Welsh, que vive hoje nos EUA, falou ao jornal O Estado de S. Paulo, por telefone, sobre sua sátira ainda mais ácida e impiedosa a respeito de uma sociedade obcecada por sua própria imagem.
Esse seu novo livro teve uma curiosa recepção nos EUA, onde seu estilo foi comparado a Bret Easton Ellis e Chuck Palahniuk, dois autores que também tratam dos males da sociedade moderna do ponto de vista da dor. O que achou disso?
Achei engraçado. Bret e Chuck apareceram mais ou menos na mesma época em que estreei, ou seja, há uma sensibilidade compartilhada para os mesmos temas, ainda que eu vivesse na Escócia enquanto eles estavam na América. Acho que a relação entre a gente vem do fato de O Psicopata Americano, de Bret, e Clube da Luta, de Chuck, sejam talvez os últimos dois grandes romances americanos dos anos recentes. Claro que surgiram novos e bons títulos depois, mas nada que fosse tão inovador. Como já disse antes, eles apontaram para novos caminhos da mesma forma que John Updike fizera nos anos 1980.
Também li que seu interesse em escrever esse romance foi motivado pela dicotomia que temos em nossa sociedade entre esporte e arte. Como nasceu essa curiosidade?
Para mim, é uma horrível dicotomia, pois nos obriga sempre (nos EUA, ao menos) a ser um grande atleta idiotizado ou um artista metido a besta. Foi o que tentei fazer ao criar Lucy Brennan e Lena Sorensen, a mulher que filma a atitude de valentia de Lucy. Por meio das duas, vistas em perspectiva, tentei moldar o perfil mais completo de uma pessoa moderna – pelo menos, alguém com o perfil médio apresentado pelos programas de televisão.
Lucy é o tipo de mulher vigorosa, decidida, no esplendor de sua forma física, enquanto Lena é uma artista vulnerável, tímida, ligeiramente gorda. Como você relaciona essas garotas a questões como gênero e feminismo?
São dois exemplos de feminismo: Lucy é mais independente, enquanto Lena está mais para o tradicional. Para mim, representam duas faces de uma mesma moeda, ou seja, complementares.
Junk food e viciados em exercícios físicos – é assim que você vê os Estados Unidos?
De uma certa forma, sim. Mas não apenas a América – nossa sociedade de consumo como um todo cria pessoas com um comportamento obsessivo compulsivo que não lhes deixa com liberdade de ação. Assim, se você é gordo porque come muita junk food, você não vai parar de comer isso para emagrecer – vai começar a tomar pílulas que supostamente vão te deixar mais magro. É assim que nossas mentes têm sido programadas.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.