Estamos no Sul da Itália, em pleno verão europeu e tudo ali é barulhento, intenso, quente e cheio de história. Para apresentar sua nova coleção de Alta Moda, os estilistas Domenico Dolce e Stefano Gabbana decidiram armar um desfile em Nápoles, destino totalmente fora do circuito fashion europeu. A ideia fez todo o sentido para eles, após definirem que Sophia Loren seria a musa inspiradora da coleção. Ela, que nasceu em Roma e foi criada em um vilarejo pobre de Nápoles, voltou à cidade acompanhada da tropa de elite da moda italiana, em um evento que durou quatro dias e contou com uma exposição em sua homenagem e dois desfiles que pararam o lugar. “Perguntamos para Sophia onde ela gostaria que fizéssemos o desfile. E ela respondeu: Nápoles, com certeza”, contou Dolce. “Pronto, aqui estamos!”
A passarela foi montada em um ponto turístico, a Via San Gregorio Armeno, centro do comércio de presépios, estátuas de personalidades em miniaturas, pandeiros decorados e artesanato local. É uma rua super estreita, típica da cidade erguida na encosta do golfo de Nápoles, em um urbanismo labiríntico e repleto de relíquias góticas, barrocas, romanas e gregas – o centro antigo é tombado pela Unesco. A população ali se orgulha de ser reconhecida como a terra da pizza, do futebol e de Sophia Loren, que assistiu ao desfile como uma rainha, sentada em um trono, para o delírio do público, que acompanhou tudo de perto. Foi uma comoção tão grande que os terraços da rua foram alugados por 40 euros a hora. As pessoas gritavam “Sophia, bellissima!!”, enquanto ela acenava.
O desfile começou com uma fanfarra, ao som de O Sole Mio e outros hits napolitanos, tocados por músicos seniores em instrumentos de sopro. Então, vieram as modelos. Ao todo, foram 99 meninas, com looks diferentes, muitos deles fazendo referências ao estilo e às personagens vividas por Sophia. A blusa com decote de ombro-a-ombro vista no filme O Ouro de Nápoles, de 1954, abriu o desfile. Vestidos e corpetes tirados de seu figurino em Matrimônio à Italiana, de 1964, também estavam lá. Uma modelo com maiô retrô e faixa de miss carregava o título de “Senhorita Elegância”, lembrando o episódio em que Sophia, aos 15 anos, venceu um concurso de miss.
A sequência de vestidos coquetel, com cintura marcada e florais enormes estampados, foi um dos pontos altos do desfile. “Os estilistas acabam de colocar as rosas na ordem do dia fashion novamente”, disse Daniela Falcão, diretora da Vogue Brasil. Algumas modelos de lenços de seda na cabeça reforçavam o espírito vintage da coleção, enquanto outras tantas ostentavam mantôs com bordados magníficos e chapéus que pareciam mitras usadas por pontífices. A renda preta, que marca as criações dos estilistas e lembram os antigos vestidos das mamas italianas, surgiu em peças que modelavam o corpo. Algumas delas traziam estampas de limões sicilianos. Calças jeans bordadas (usadas pela primeira vez em um desfile de Alta Moda) e peças elegantes de alfaiataria davam um toque cool ao show que foi ultra-exuberante.
Quanto mais brilho e mais extravagância, mais o público aplaudia. Os principais clientes da marca, cerca de 400 pessoas vindas da China, Rússia, México, Brasil e de alguns países da Europa e da África, foram aconselhados a não usar joias pesadas na rua já que o desfile foi totalmente aberto ao público – o staff de seguranças, por sinal, era enorme. “Esse foi o show mais complicado que já fizemos em termos de estrutura”, afirmou Dolce. “Mas é uma experiência única e valeu a pena. Para nós, é especial estar na Via San Gregorio, que é a rua dos artesãos. Cada família aqui valoriza suas raízes e segue criando de forma artesanal, assim como na alta costura.”
Nessa época do ano, as grandes marcas de moda francesas participam da semana da Alta Costura, evento que celebra a excelência e a tradição da moda francesa, promovido pela Câmara Sindical da Alta Costura, comissão reguladora que estabelece e fiscaliza uma série de regras impostas a seus associados. Historicamente, esse evento traz o suprassumo do luxo em termos de roupas e acessórios. São peças únicas, feitas sob medida, e voltadas para um seleto público capaz de pagar por valores sempre na casa dos 5 ou 6 dígitos. Algumas grifes de outros países acabaram quebrando o cerco francês e conseguiram um espaço nessa agenda de desfiles de Haute Couture, caso por exemplo da Valentino e da Versace.
A Dolce & Gabbana fez justamente o contrário. Em vez de pleitear um lugar entre as maisons da França, decidiu lançar sua Alta Moda como uma declaração de amor à Itália. Pouco antes do desfile, os estilistas receberam a imprensa de moda mundial para explicar a coleção. “Nossa moda não segue tendências. Fazemos uma roupa atemporal, que diz muito sobre a nossa emoção e a nossa cultura”, disse Dolce. Enquanto isso, Gabbana mostrava um chapéu curioso em forma de baba ao rum, doce típico de Nápoles. Tudo na maior descontração, como manda o figurino italiano.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.