“Não ultrapasse”; “perigo de queda”; “muro instável”, dizem as placas que, ao lado de cones e fitas de segurança, rodeiam a obra Grave Gravidade, de Lucas Simões. No galpão da Baró Galeria, na Barra Funda, o novo trabalho do artista, criado para a mostra coletiva Desordem, realizada em parceria com a Galeria Emma Thomas, é um muro de 7 m de comprimento por 2,10 m de altura, erguido com 200 blocos de concreto apenas sobrepostos – pois, na verdade, camadas de espuma substituem o tradicional rejunte de cimento da construção. “É um castelo de cartas graves”, define o autor.
Uma obra sobre a instabilidade transforma-se, inevitavelmente, em metáfora. “De uma certa maneira, é quase uma intensificação irônica de uma situação um pouco óbvia”, afirma Lucas Simões, de 36 anos. Grave Gravidade pode, de fato, desabar a qualquer momento naquele grande galpão na Barra Funda. Ou continuar, por sorte, de pé, até o término da exposição. “O trabalho surgiu de criar essa área de tensão”, explica o artista. A imagem criada por ele é simples, entretanto, precisa, direta. Surgiu do desejo de tratar da linha tênue entre perigo e mito, tendo como ponto de partida a questão do deslocamento por São Paulo.
“Muita gente acha que é perigoso na Barra Funda, ou não vai para o centro, onde moro”, comenta Simões. “Existe uma escala social, do que a gente vive, de desacreditar em muita coisa, de entender que solução não existe, que as coisas vão ser provavelmente repensadas, mas em um tempo que não é possível ainda saber”, considera. “E há o fato de lidar com o instável; o muro é mole e nem o que você vê de impedimento é tão sólido quanto parece, ou parecia”. “Onde a arte se encaixa nesses discursos?”, indaga, afinal.
Nascido em Catanduva, no interior paulista, Lucas Simões, que vive em São Paulo desde 2004, é formado em arquitetura, mas abandonou definitivamente o ofício em escritórios da área, em 2012, para se dedicar à carreira artística. “Acho que o meu trabalho tem reconhecimento do mercado e institucional, mas não me vejo muito diferente de dez anos atrás”, afirma o artista, representado, atualmente, por três galerias – Emma Thomas (SP), Luciana Caravello (Rio) e Space in Between (Londres).
De um modo geral, há um caráter pontual, crítico e poético nas instalações, obras escultóricas e peças fotográficas de Lucas Simões. A precisão talvez seja “herança da formação como arquiteto”, e o uso do concreto tem sido recorrente – em Bebadosamba (2013), taças e copos guardam “lágrimas de pedra”, tal diz o verso de Paulinho da Viola transcrito na apresentação do trabalho. Já a menção à história da arte, principalmente, ao construtivismo tem alguma carga de ironia.
“Quando algo vira história, ganha peso”, opina o artista, que já criticou “a fetichização e engessamento” dos Bichos de Lygia Clark na série Engessados (2014) – nela, as formas inspiradas nos famosos trabalhos neoconcretos viram “pó”. Ultimamente, por outro lado, os trabalhos de Simões “se dão com o desequilíbrio”, resume. Em Grave Gravidade, a questão é latente, assim como na série Abismos (2015), na qual calhamaços de papel sustentam esculturas geométricas de concreto.
Ao mesmo tempo, a participação de Lucas Simões na mostra Cartas ao Prefeito, em cartaz no Pivô, também é pontual e precisa. Na colagem Quem Foi e Quem Ainda Quer Ser, o artista fatia rostos de ex-prefeitos e candidatos à Prefeitura de São Paulo. “É quase repugnante; a intenção era ironizar a imagem publicitária e construída do político”, explica. Já sua carta para o gabinete de Fernando Haddad é, na verdade, um conjunto de três peças em aço inox – ou seja, nada mais do que espelhos sobre a vaidade. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.