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Brasil S/A nasceu sem roteiro, conta Marcelo Pedroso

Direção, roteiro, som, trilha e montagem – foram cinco prêmios (Candangos) no Festival de Brasília de 2014. Passados quase dois anos, Brasil S/A finalmente estreou nos cinemas brasileiros – na quinta, 11. Marcelo Pedroso nem teve tempo de festejar. “Foi tanta expectativa e estou tão imerso no processo do novo filme que estafei”, ele contou numa entrevista por telefone, do Recife, nesse domingo, 14, à tarde. Em pleno Dia dos Pais, Pedroso, de 37 anos, afastou-se um pouco de seu moleque – de 7 – para conversar com o repórter.

Em seu currículo, ele tem um curta documentário que os críticos, na falta de uma definição melhor, chamam de estranho. A palavra tem sido invocada de novo sobre Brasil S/A. Pacific, de 2009, não teve suas imagens e sons captados por Pedroso. Ele se utilizou de filmes feitos pelos passageiros de um cruzeiro marítimo. As pessoas, felizes de estar indo para Fernando de Noronha, produziam imagens em diferentes suportes. Pedroso se apropriou dessas imagens, articulou-as num discurso – dele. O filme provocou muita polêmica – se o diretor não filmou, a obra continua sendo dele? Há o precedente do russo Dziga Vertov, que, nos anos 1920 e 30, criou o Kino Glaz, o Cinema Olho. Numa época de intensa experimentação – Sergei M. Eisenstein e Vsevolod I. Pudovkin desenvolviam, paralelamente, seus conceitos aplicados à montagem -, Vertov teorizou sobre um cinema sem mise-en-scène – sem roteiro, sem estúdio, sem atores. E ele também se apropriou de imagens alheias, que fez suas.

Brasil S/A não conta propriamente uma história. “Esse filme nasceu sem roteiro”, conta Pedroso. “Comecei a pensar nele por blocos de imagens.” Dziga Vertov foi uma referência? “Você está me perguntando ou afirmando? Porque se é afirmação é precisa, cirúrgica.” E Pedroso conta como sempre foi atraído não só pelos escritos de Vertov, mas por seus filmes – especialmente o cultuado Um Homem com uma Câmera, de 1929. Um filme totalmente construído no princípio da imagem, do som e do movimento – sem diálogos. Mas isso é só parte do desafio de Brasil S/A. “Lá por 2007, há quase dez anos, o Brasil vivia uma fase de otimismo. O País crescia num ritmo chinês, 40 milhões de brasileiros saíam da linha de pobreza. Era uma euforia, o Brasil se desenhava como potência global e eu sentia os efeitos dessa transformação vertiginosa no imaginário dos brasileiros. Em todo ciclo econômico, há sempre uma promessa messiânica, de grandiosidade. Pensava comigo – Estamos ingressando nessa fase outra vez. E o filme começou a se desenhar – desconfiado, crítico.”

Nos blocos de imagens, havia uma – a bandeira do Brasil desfraldada no alto de um prédio de 40 andares. E um cortador de cana que virara operário, que virava astronauta. “Pensei que seria interessante pensar nessa reconfiguração dos nossos ideais. Os processos econômicos são sempre truncados, e o Brasil é o eterno país do futuro. Brasil S/A é sobre isso – minha pensata sobre nosso crescimento desordenado. Carrega uma pergunta – vamos chegar lá, ou seremos eternamente essa esperança?” Foram anos de dedicação ao projeto, de 2010 a 14. A premiação em Brasília já havia sido consagradora, mas aí veio a apresentação no Festival de Berlim. “Foi muito massa. O filme passou quatro vezes para plateias lotadas. Devem ter sido umas 3 mil pessoas e os tradutores não davam conta de tantas perguntas. O filme tem cenas de maracatu, e as pessoas não sabiam o que era aquilo. Deliravam teorizando em cima daquela corte negra”, recorda ele.

O filme chega aos cinemas em outra fase de transição da história do Brasil. Neste quadro, como o público vai receber a pensata de Marcelo Pedroso? Por mais que seja um filme de autor, não deixa de se inscrever num movimento que parece coletivo. O cinema pernambucano, no qual se inscreve Marcelo Pedroso, tem tentado dar conta das transformações urbanas provocadas pelo desenvolvimento urbano. Basta pensar nos filmes de Kleber Mendonça Filho – O Som ao Redor e Aquarius, que estreia em setembro. Ou nos de Gabriel Mascaro, que foi parceiro de Pedroso em KFZ-1348, antes de realizar Ventos de Agosto e Boi Neon. Antenado, o diretor investe numa outra linha – a do documentário em regime de adversidade.

Pedroso substitui Dziga Vertov por Frederick Wiseman, o documentarista norte-americano que tem se dedicado a fazer a abordagem (e a crítica) das instituições. Polícia, hospital, universidade. Pedroso quer mostrar agora as pessoas em momentos de conflito e, por isso, trabalha num filme sobre o batalhão de choque do Recife.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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