O fotógrafo esloveno Yuri Dojc encontrou poucos sobreviventes como Ruzena Vajnorská, a “kapo” de Auschwitz, em sua jornada pelo passado judeu na Eslováquia. Decidiu, então, fotografar as ruínas de sinagogas e escolas frequentadas por judeus antes da deportação e do estabelecimento do regime fantoche dos nazistas, em 1939, que fechou locais de cultos.
A jornada do fotógrafo levou-o a uma dessas escolas no leste da Eslováquia, mantida em Bardejov no mesmo estado em que se encontrava em 1942, incluindo o pó dos tempos. Miraculosamente, um livro surgiu de uma estante empoeirada com o nome do avô do fotógrafo, o alfaiate Jakab Deutsch. Fechava-se o ciclo familiar, que começou com o velório do pai, onde conheceu Ruzena.
“Essa jornada, mais que a busca pelo passado dos judeus que viveram na Eslováquia, representou para mim um a viagem em busca da identidade”, resume Dojc, que, entre outras pessoas, retratou sua mãe e uma professora de música, registros austeros próximos da estética de August Sander.
O pictorialismo de Yuri é notável. A ordem (mono) cromática das imagens remete o espectador automaticamente para as primeiras séries do pintor alemão Anselm Kiefer que refletem sobre o passado da Alemanha e rememoram a tragédia nazista por meio da arquitetura da chancelaria do Reich reduzida a cinzas. Yuri diz que não é a primeira vez que observam semelhanças entre suas paisagens e as de Kiefer, descontada a devida distância que separa os dois artistas. Enquanto Kiefer pinta a chancelaria do Reich, Yuri fotografa sinagogas com mais de dois séculos na Eslováquia, fechadas há mais de 70 anos.
Outras imagens da mostra incluem lápides de cemitérios judaicos e bibliotecas inteiras consumidas por insetos – outra série que o aproxima de Kiefer, autor de uma biblioteca de chumbo. “Cada livro que fotografava era como o retrato de uma pessoa, um fragmento da história dos judeus eslovenos”, diz Yuri, assumindo sua narrativa simbólica, na qual não faltam alusões aos livros sagrados. Uma das fotos da mostra, por exemplo, é uma representação alegórica da escada que aparece no sonho bíblico de Jacó, pela qual anjos sobem e descem ao céu.
Filho de um diretor de escola secundária e de uma professora, o fotógrafo Yuri Dojc, 70 anos, nasceu em Hummené, cidade cercada por ruínas de castelos medievais. De tanto conviver com elas, era natural que Dojc buscasse uma contrapartida. Simultaneamente à série Last Folio, o fotógrafo começou a registrar casais românticos se beijando nas ruas – e os eslovenos não precisam de pretexto para roubar um beijo, logo descobriu Dojc, autor de campanhas publicitárias que se tornaram populares.
Doze imagens da série Last Folio foram incorporadas ao acervo da Biblioteca do Congresso em Washington. Esse interesse, ele reconhece, não foi exclusivamente artístico, mas histórico. Muitos fotógrafos entram em prédios abandonados ou destruídos por razões formais – caso do canadense Robert Polidori, que registrou a devastação provocada pelo furacão Katrina. Não é o caso de Dojc, embora seja possível identificar certa semelhança cromática entre o tom plúmbeo das fotos de Polidori e as imagens de Bardejov, em especial as do Mikvah (banho ritual de purificação) nas sinagogas abandonadas.
LAST FOLIO
Unibes Cultural – R. Oscar Freire, 2.500, estação Sumaré do metrô.
2ª a sáb., 10h/18h. Hoje, abertura para convidados. Até 22/10.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.