Em Good Lava, primeira música do disco mais ousado da carreira, Esperanza Spalding narra um nascimento. Uma vida nova surgia ali. Ela usa uma metáfora. Emily, a personagem em questão, surgia do magma. Nova num mundo contemporâneo, esquisito, efêmero e, por vezes, rancoroso. Emily percebe tudo de uma tacada só, bofetadas e carinhos. Se essa quantidade de metáforas está confusa demais, não há do que se preocupar. Tudo parece fazer sentido, tintim por tintim, assim que se aperta o botão do play em Emilys D+Evolution, álbum da cantora, compositora e baixista lançado em março deste ano.
Uma outra opção para tentar decifrar essa nova aventura musical da artista que recentemente rompeu a barreira dos 30 anos – seria o surgimento de Emily um reflexo da tal crise dos 30? – é assisti-la na noite desta quarta-feira, 21, no Cine Joia, a partir das 22h.
Ao jornal “O Estado de S. Paulo”, por telefone, na tentativa de explicar como Esperanza se tornou Emily nesse novo álbum, a artista recorreu à mesma metáfora usada em Good Lava. “Eu acho que ela já existia, a Emily, há muito tempo”, arrisca Esperanza depois de alguns segundos tentando fugir da mesma justificativa que está na canção. “Mas, é isso, eu vejo como se ela estivesse dentro de mim, dessa montanha, esse vulcão dormente. E isso, agora, saiu. Veio o magma e, de repente, ela também. Acho que assim nasceu Emily.”
Tudo é tão fantasioso e imaginário que Esperanza é levada diretamente para um período da infância dela, na cidade de Portland, no Estado norte-americano de Oregon. Ela gostava de brincar de RPG (uma sigla para role-playing game, algo que, em português, pode ser chamado de jogo de interpretação de papéis). Tal qual os jovens protagonistas da série Stranger Things, da Netflix, Esperanza passava horas se enveredando por cavernas imaginárias, caçava dragões e tesouros, entre outras aventuras que se passavam em realidades que não aquela.
Com Emily, explica a artista, ela volta a esse exercício de se imaginar dentro da pele de outra personagem. Emily, enquanto essa nova figura, é um ser recém-chegado ao mundo. Já adulta, fisicamente pronta, porém sem “ser contaminada pelo mundo exterior.”
“Entendo que isso pode ser um pouco assustador de se pensar”, admite Esperanza. “Mas essa personagem, a Emily, ela é alguém que nunca foi vista antes. Ela nunca apareceu. Ela nunca saiu de casa. Era como se fosse essa entidade, ou melhor, uma pessoa dormente. Até que ela é expelida nessa erupção, quando ela realmente sente que precisa expressar tudo aquilo que ela pensa.”
Não é o acaso que coloca a segunda canção do disco, logo depois do “nascimento” de Emily, Unconditional Love, uma canção, como o nome diz, sobre uma visão inocente a respeito do amor. O coração está quebrado, como sempre, canta Esperanza, mas a mágica ainda pode encontrar Emily – ou ainda encontrar Esperanza e cada ouvinte.
Toda a história imaginativa da criação dessa nova personagem, que Esperanza garante estar inclusive presente no palco o tempo todo, é imensamente benéfica à artista. Depois de um álbum como o pouco inspirado Radio Music Society, Esperanza parece mesmo assumir uma outra personalidade. Ela ainda flerta com o jazz, gênero com o qual ela sempre se identificou – embora sua levada seja mais pop do que jazzística -, mas acrescentou conceito nas suas canções. Estabeleceu um diálogo entre as músicas que, por sua vez, ajuda manter a independência estética de cada uma delas. São diferentes tonalidades, cores e sabores. A ponto de querer que Emily continue por aqui por um tempo. “O canal já foi aberto. Ela estará de volta.”
ESPERANZA SPALDING
Cine Joia.
Praça Carlos Gomes, 82,Liberdade, tel.:3101-1305. Hoje (4ª),às 22h. R$ 120
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.