Nos primeiros 30 minutos da montagem inspirada na obra da escritora Herta Müller, o espetáculo A Macieira apareceu no palco com a mesma força do monólito negro de 2001 – Uma Odisseia no Espaço, de Stanley Kubrick. O pedaço de rocha misteriosa que intrigava os primatas tinha a mesma função das ripas de madeira ligadas às lâmpadas fluorescentes da peça: o despertar de si a partir do descobrimento da matéria. Nos dois casos, essa relação ativou – como a própria fogueira construída na peça – o combustível das narrativas.
Formado entre encenadores do teatro paulista como Roberto Alvim, Cibele Forjaz e Caetano Villela, o iluminador Wagner Antonio tomou para si uma trilha em comum com seus mestres. “Todos eles têm uma pesquisa estética muito particular com a luz e, em geral, ela sempre surge como âncora para esses artistas.”
Hoje, Antonio divide a direção de Homem Elefante com Cibele e mantém uma parceria artística com o produtivo diretor Rafael Gomes. Com ele, o iluminador adentrou em Um Bonde Chamado Desejo e também segue em cartaz com Gota dÁgua a seco, da obra de Chico Buarque. Ao lado de Andre Cortez, que assina a cenografia de ambas as montagens, o iluminador encontra sua assinatura em meio a dois grandes artistas. “Nesses trabalhos, minha luz surge de maneira muito aparente, de certa forma a abrigar e atravessar os cenários do André e também de desvelar o propósito das escolhas do Rafael na adaptação desses clássicos.”
Aos 17 anos, quando começou no teatro, Antonio chegou a atuar. Hoje prefere não arriscar. Sem se considerar um diretor, ele prefere manter os pés no que sustenta toda a ilusão do palco. “Gosto de construir coisas e prefiro dizer que sou artista plástico. Mas se eu fosse um, talvez não diria isso.”
Se a imprecisão nos termos sugere insegurança, no palco, ela fortalece as investigações. Na companhia 28 Patas Furiosas, fundada com o espetáculo Lenz, Um Outro (2013), o desejo era o de extrair poesia por meio da interação com materiais. No complexo drama inspirado na vida do escritor alemão, a peça repousava em um ritual de águas calmas, cujo piso do palco ganhava porta e batente, que se abriam para um universo onírico. “A obra de Büchner é para errarmos, queremos estar mais conectados às lacunas do teatro.” Quando A Macieira estreou em 2015, a persistência levou a companhia para longe do rigor de uma dramaturgia escrita e para mais perto de uma visualidade, explica Antonio. “É como instaurar mais uma camada em um espetáculo, o que requer uma abordagem diferente com os atores.” O processo de criação se resume a longos períodos de experimentação com os futuros elementos do cenário, os quais recusam o sentido de acessório.
Na invocação da árvore amaldiçoada, em compridas ripas, e no pano vermelho que se desdobra em fruto único, o treinamento do elenco precisava equilibrar uma manipulação precisa do cenário com a poesia e leveza que a cena exigia. “Tiramos a dramaturgia do texto e a jogamos para o ritual. É quando sai do inconsciente e passa a transitar com um fluxo.”
De olho na próxima pista dessa trilha, Antonio antecipa que a companhia pretende visitar a obra de Qorpo Santo. Ele ressalta que não se trata de montar suas peças, mas de captar o momento particular da vida do dramaturgo gaúcho e perceber como ele ressoa no momento presente. “Ele foi tratado como louco e interditado pela mulher, e para sobreviver teve que inventar seu próprio tempo e universo, também composto por sua nova gramática. O Brasil passa por um processo jurídico que nos convoca a criar.” Diante do cenário brasileiro, Antonio afirma que o ponta da crise se intensificou na relação do corpo com a instituição. “O dramaturgo acessava esses lugares por meio de suas palavras. O que queremos descobrir é como transformá-las em matéria.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.