A música brasileira costuma causar fascínio aos ouvidos – e corações – estrangeiros. Sobretudo entre músicos. É assim com o cantor e compositor António Zambujo, um dos grandes nomes da música contemporânea portuguesa. Sua conexão com a canção brasileira vem de tempos e já se reverteu em muitas reverências, como em gravações e encontros no palco com Roberta Sá, Ivan Lins, entre outros. “Para mim, esse fascínio é o conjunto de três coisas: letra, música e interpretação. A forma como elas conjugam, como são apresentadas é muito brilhante”, diz Zambujo, em entrevista , por telefone, de Lisboa. “E tem uma coisa que eu gosto que é a utilização da voz quase como mais um instrumento. Até mesmo em grandes cantoras. A maior de sempre, Elis era uma cantora que usava a voz para servir a música, nunca foi para se exibir.”
Mas decerto a maior declaração de amor de Zambujo à música brasileira seja feita em seu novo disco, o 8º da carreira, Até Pensei Que Fosse Minha, com 16 canções de Chico Buarque, só de sua autoria e também algumas parcerias – e com capa assinada pela artista plástica brasileira Adriana Varejão. E, com esse novo trabalho, o músico português se apresenta no Vivo Rio, em 5 de novembro, e dias 12 e 13 de novembro no Sesc Pinheiros, em São Paulo.
Zambujo conta que o projeto não nasceu de um determinado momento. “São vários momentos, várias ideias. A música brasileira sempre teve um papel muito importante na minha formação enquanto músico. Comecei com João Gilberto e depois fui procurando outros. E naturalmente a obra do Chico, literária e musical. Sempre achei que, em algum momento da minha vida, eu ia fazer um disco com músicas do Chico, só não imaginava que fosse tão rápido.”
De um compositor com obra tão ampla e rica como Chico Buarque, foi difícil escolher apenas 16 canções, admite Zambujo. “A vontade que dá é cantar tudo, gravar tudo.” A lista partiu de 100 composições. E, com colaboração do diretor musical Marcello Gonçalves, do diretor de produção João Mário Linhares e do próprio Chico, Zambujo conseguiu fechar o repertório. O que conduziu essas escolhas? “Foi basicamente a música pela música, não tem outras interpretações, épocas, nada disso foi pensado.
Foi fazer um disco com músicas do Chico.” Mas pesou aí, claro, a relação afetiva de Zambujo com a obra. A letra de João e Maria, por exemplo, era cantada por seu filho mais novo, então com 2 anos, do início ao fim, e, a partir daí, Zambujo começou a cantá-la para ele todas as noites. Valsinha, ele já cantava em seus concertos. Já Até Pensei faz parte de Chico Buarque de Hollanda – Volume 3, de 1968, que é um dos discos prediletos do músico português. “O critério foi todo muito largo, foi pensando nas músicas que eventualmente poderiam ter alguma coisa a ver comigo antes de gravar e outras que eu poderia gostar de cantar.”
Chico Buarque lhe sugeriu duas canções: Cecília, do disco As Cidades, de 1998, e Nina, do disco Chico, o mais recente do compositor brasileiro, de 2011. Apesar de adorar Nina, o cantor português conta que estava apreensivo em gravá-la, por talvez não ter o distanciamento de tempo necessário para fazer uma regravação, mas, mesmo assim, foi incentivado por Chico a fazê-lo. Já Cecília era a única canção que ele não conhecia. Tão preocupado, tratou de ouvi-la direto nos dois dias anteriores à gravação. “Quando entrei em estúdio, eu sabia a letra, a música, não precisei ter folha nem iPad”, diverte-se.
Chico também faz uma participação especial em Joana Francesa, num dueto com Zambujo. Segundo ele, a presença do homenageado em seu disco “foi um bônus”. “Eu não queria incomodar o Chico, eu queria homenagear o Chico. Ele quis estar perto, quis estar no estúdio. Foi um bônus maravilhoso que deu também uma energia. Ele participou também de uma música – e isso foi natural. Aí eu morri (risos).” Há chances de Chico participar de seus shows no Brasil? “Aí seria pedir muito, nunca crio grandes expectativas. Como já disse, foi um bônus ter cantado comigo no disco.
Participar no show seria maravilhoso.” Em seu disco, Zambujo ainda contou com as participações da cantora brasileira Roberta Sá, em Sem Fantasia, e da portuguesa Carminho, em O Meu Amor, em duas interpretações bastante distantes: enquanto Roberta chega com sua voz suave, Carminho impõe sua dramaticidade de fadista.
Um dos expoentes do novo fado, Zambujo carrega para seu universo essas regravações de músicas de Chico, por vezes, já tão emblemáticas na voz de outros intérpretes. É o que torna essas versões especiais – e nem um pouco banais. “Quando estás a gravar uma música, depois de aprender essa música, a partir desse momento, quase que nos apropriamos dela, pela forma de cantar, pelos arranjos, pelos instrumentos que usamos. Tudo isso acaba por transformar uma música em nossa, é isso que eu sinto”, acredita António Zambujo. “De outra forma, não faria sentido cantarmos coisas de outras pessoas se não fosse para a ocupação desse terreno.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.