Em 2011, em entrevista ao jornal “O Estado de S. Paulo”, Jay Levenson, diretor do Programa Internacional do MoMA de Nova York, lamentou a falta de um museu em São Paulo que pudesse apresentar uma narrativa da arte brasileira. Agora, anos depois da constatação do norte-americano – funcionário da instituição que recebeu, nesta semana, importante doação de arte latino-americana da Colección Patricia Phelps de Cisneros – e por uma contingência da crise econômica, a Pinacoteca do Estado acabou assumindo o papel inédito de alinhavar uma história da produção artística no País desde o período colonial até os anos 1970 ao redistribuir obras de seu acervo e concentrar exposições de longa duração em um mesmo prédio, a sede do museu na Praça da Luz.
Com a inauguração, neste sábado, 22, da Galeria José e Paulina Nemirovsky no edifício da Luz, a Pinacoteca passa a exibir, no local, preciosidades do modernismo brasileiro pertencentes à coleção do casal Nemirovsky, cedida em comodato à instituição em 2004. Entretanto, ao mesmo tempo, o museu insere outras obras de seu acervo a fim de criar uma narrativa linear que poderá ser visitada pelo público até agosto de 2019.
Ao conjunto de três pinturas de Tarsila do Amaral colecionadas pelo médico José Nemirovsky e por sua mulher Paulina – com Antropofagia, de 1929, grande destaque, Distância, de 1928, e Carnaval em Madureira, de 1924 -, junta-se, por exemplo, o óleo sobre tela São Paulo, pintado pela artista em 1924 e comprado pelo Governo do Estado de São Paulo em 1929.
No mesmo espaço expositivo, Bananal (1927), de Lasar Segall, convive com as “Tarsilas” e com Figura Sentada (1924), de Rego Monteiro, mas por um momento não é possível acreditar que logo ao lado, na sala à direita, estejam também expostas as obras Dois Irmãos (1927) e Figuras em Azul (1926), ambas de Ismael Nery, e o belo Autorretrato (1949), de Pancetti (em verde), integrando um núcleo “intimista”. Já do lado esquerdo, destacam-se quadros de Portinari e de Di Cavalcanti – ressaltando, com outros criadores da época, “a atenção ao personagem anônimo, ao trabalhador, ao sofrimento, à mulata, a temas que não são heroicos, que são cotidianos”, explica a curadora-chefe do museu, Valeria Piccoli.
“A Pinacoteca foi redimensionada”, completa. Até então, a Coleção José e Paulina Nemirovsky ocupava um espaço permanente na Estação Pinacoteca, prédio próximo da sede da Luz e localizado no Largo General Osorio. Atualmente, com a crise e os cortes sofridos pela Pinacoteca, vinculada à Secretaria de Cultura do governo estadual, está descartada, como conta Valeria, a previsão de um terceiro edifício que pudesse abrigar e exibir os trabalhos de arte contemporânea do acervo do museu. “Temos de nos reorganizar com o que temos.” Segundo a curadora, foi uma proposta do atual diretor artístico da Pinacoteca, Tadeu Chiarelli, que assumiu o cargo em 2015, “repensar a questão da coleção” – no total, entre aquisições e doações, são cerca de 10 mil peças.
Em termos de narrativa, é necessário dizer que a exposição de arte moderna na nova Galeria José e Paulina Nemirovsky transforma-se em continuação da mostra que ocupa todo o segundo andar do prédio da Praça da Luz, também em caráter de longa duração, com aproximadamente 500 obras, calcula Valeria Piccoli. Depois de passar por reformas, o piso superior do museu inaugurou em 2011 a exposição que contempla, principalmente, o segmento pelo qual a Pinacoteca do Estado é reconhecida como especialista, a produção artística no Brasil do século 19 – com destaque, por exemplo, para as pinturas de Almeida Junior (1850-1899).
Dessa maneira, o Retrato de Olívia Guedes Penteado, pintado em 1911 por Henri Gervex e agora na Galeria José e Paulina Nemirovsky, conecta a história contada no segundo andar com a narrativa recentemente concebida para o primeiro pavimento. “Olívia Guedes Penteado foi a grande dama do modernismo brasileiro”, comenta a curadora. “Essa pintura é um corpo estranho no meio da exposição, mas remete ao gosto francês que está no andar superior e indica que esta é a pessoa que, de alguma forma, promoveu a primeira geração modernista no Brasil.”
Seguindo o percurso, mais adiante em outros espaços dedicados à exposição de acervo – e a disposição espacial agora contribui para uma leitura sintética -, destaque para a sala sobre arte concreta e neoconcretismo (com o Objeto Ativo de 1962 de Willys de Castro em forma de cubo). No trajeto, ainda, a Figura (1964), de Ivan Serpa, faz a menção aos anos de chumbo. Depois dessa histórica tela, a exposição Vanguarda Brasileira dos Anos 1960 – Coleção Roger Wright, que traz 50 obras doadas recentemente em comodato à Pinacoteca pela família do ex-banqueiro e empresário morto em acidente aéreo em 2009, é um dos mais consistentes acervos referentes à nova figuração e ao pop político com trabalhos de Wesley Duke Lee, Nelson Leirner, Rubens Gerchman e Claudio Tozzi, entre outros.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.