​ Lançado no ano de 2010 e já em sua sétima temporada, The Walking Dead é visto por um público eclético, cultivando seguidores e fãs que curtem, não só a série, como também a temática abordada. Mas como entender esse fenômeno? Ou mesmo explicar esse interesse criado pelos telespectadores? Foi diante desse cenário que Jorge Henrique Fugimoto, pesquisador e mestre em Ciências Sociais pela Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (EFLCH/Unifesp) – Campus Guarulhos, realizou uma interessante análise das cinco primeiras temporadas, com a “ideia de, a partir dos aspectos estéticos e os conceitos da Sociologia, polemizar as possíveis razões do tema ‘zumbi’ estar tão presente nas produções contemporâneas, especialmente em um seriado consumido por milhões de pessoas”.
Segundo Fugimoto, a figura do zumbi, conhecida hoje, pode ser entendida dentro do conceito de New Horror, elaborado por Angela Ndalianis (professora da Universidade de Melbourne). Esse subgênero do terror envolve criações pós-11 de setembro que estabelecem vínculos, de forma implícita, aos eventos que sucederam esse fato, expondo uma alta carga de violência, destruição do corpo e sangue. “Há um forte paralelo com as produções zumbis, em especial The Walking Dead, por representarem a ruptura da sociedade, despertando no público as fantasias de sobrevivência e os sentimentos de ansiedade e desconfiança”, analisa Fugimoto.
A abertura do seriado, por exemplo, obedece a aspectos dessa nova linguagem cinematográfica. Algumas das imagens conduzem a uma atmosfera pós-apocalíptica, com elementos associados ao caos (objetos quebrados ou desordenados, sujeira, espaços abandonados). O tom sépia traz referências de algo antigo ou envelhecido, seja pelo gasto com o tempo, seja como representação do passado no interior da trama. A música tema, por sua vez, remete a uma composição típica de filmes de terror ou suspense, causando desconforto, tensão e angústia. “O mundo construído é de um ambiente desordenado, restando aos personagens lutarem por si próprios”, comenta o pesquisador.
A aparição do nome do seriado na abertura da primeira e segunda temporada, por exemplo, contribui para fortalecer o envolvimento do público com a história, já que traz alusão, de modo sútil, aos zumbis. A sequência de surgimento das palavras The, Dead e Walking, nessa ordem, mostra a passagem de transformação do ser humano em um morto-vivo, já que ele precisa primeiro morrer para, em seguida, voltar à vida e sair caminhando. “O padrão das aberturas, por exemplo, apesar de serem diferentes, estabelece uma conexão direta com o universo da série, criando um ‘clima’ para os telespectadores”.
A percepção individual também é bastante explorada pelo subgênero. Mas, além de ser uma resposta ou repulsa contra aquilo que é perigoso, essa manifestação está relacionada com a fronteira entre vida e morte. “A experiência, dependendo da conjuntura sensorial, emocional e intelectual, nos induz a perceber, sentir e interpretar aquela experiência de modo diverso. O dano corporal é amplificado, servindo como aparato para explorar o sensorial da audiência, forçando a reação daqueles que assistem. A todo tempo vemos os mortos-vivos caminhando. É quase perceptível sentir o cheiro do apodrecimento. Para contribuir: as moscas, que exercem tanto um papel visual, quanto sonoro”.
A série movimenta elementos sociais com os quais os espectadores estão familiarizados. Como fio condutor, está a representação da família burguesa: o pai, que constitui o herói e líder; a mãe, responsável pela manutenção da união entre os entes; e o filho, superprotegido e representando a inocência. Já os demais sobreviventes, com suas próprias peculiaridades, representam certos estereótipos na sociedade de origem étnica ou de origem social. “Os indivíduos se mostram inicialmente divergentes e conflituosos, unidos somente pela necessidade, sobretudo a sobrevivência. Porém, com o passar do tempo, essas diferenças começam a diminuir e há uma ligação maior entre eles”.
Para o pesquisador, embora não seja possível mensurar e apurar a correlação entre o sucesso do seriado e os anseios e desejos dos espectadores, o público embarca na história. “A audiência não se conservaria fiel a um produto com o qual não estabelecesse certa relação de reconhecimento ou afinidade”, comenta. “Ainda que explore um mundo devastado, a trama do seriado aposta na busca do estabelecimento e construção de regularidades e cotidiano, de parâmetros sociais nos quais a própria audiência está inserida”, analisa.
Já para o orientador da pesquisa e professor do Departamento de Ciências Sociais da EFLCH/Unifesp – Campus Guarulhos, Mauro Rovai, o trabalho de Jorge Fugimoto, realizado ao longo de dois anos com bolsa FAPESP, ao colocar o seriado no centro das suas interrogações e utilizar como método privilegiado o olhar atento para a maneira como os elementos expressivos estão articulados na série e no interior dos episódios, retoma as preocupações daquela sociologia do cinema que utiliza o filme como ponto de partida para as suas análises. “Assim, busca-se uma forma de tentar compreender alguns aspectos da sociedade contemporânea (por exemplo, como estão construídos, no seriado, seus medos, suas relações ‘naturalizadas’, suas estratégias de sobrevivência). Ao mergulhar nas imagens de The Walking Dead, com método, imaginação e munido de conceitos, Fugimoto deu mais um passo nessa sua caminhada que, iniciada em 2010 na graduação de Ciências Sociais da Unifesp, mostra-se, embora ainda curta, cada vez mais promissora”.