Variedades

Com foco na Polônia, mostra discute Wajda

É o polish day, o dia polonês na Mostra, com direito à revisão de grandes filmes de Andrzej Wajda e Krysztof Kieslowski, mais debate com a participação de um especialista na obra do primeiro, o crítico Tadeusz Lubeski. Terra Prometida, O Homem de Mármore, Sem Anestesia. Tudo isso e o filme mais polêmico da seleção do Festival de Brasília deste ano. Antes o Tempo não Acabava, de Sérgio Andrade e Fábio Baldo, virou a Geni da competição brasiliense. Lembrem-se da música de Chico (Buarque) – Joga pedra na Geni!/Ela é feita pra apanhar!/Ela é boa de cuspir!

Havia, em Brasília, um documentário muito forte sobre o imbróglio das terras indígenas. Martírio, de Vincent Carelli – também na Mostra -, discute como desde o Império os brancos têm avançado sobre o território dos guaranis cayowás. Uma cena se passa no Congresso Nacional, uma reunião que trata do assunto. A bancada ruralista em ação – se fosse ficção, qualquer espectador ia achar que o roteirista errou a mão caricaturando deputados que usam o microfone, sem o menor pudor, para dizer com todas as letras, que o extermínio (dos índios) está próximo. É documentário, e é real. Essa verdadeira tragédia brasileira vira ficção com a dupla Andrade/Baldo.

O protagonista é um índio gay, duplamente marginalizado e perseguido, na tribo como no mundo dos brancos. O filme provocou discussões acirradas por cenas que remetem a cultos ancestrais. Tem até infanticídio. Apareceram antropólogos e sociólogos para acusar os diretores – e o índio que faz o papel – de traírem a causa. Antes o Tempo não Acabava presta-se à polêmica, mas o massacre dos diretores e do ator não marcou nenhum avanço. O filme trabalha o mito. Tem duas cenas admiráveis. O índio e o garoto, na margem do rio, gritam para ele. Depois, mais adiante, o índio no meio do rio, grita para a floresta. Em ambos os casos, ele não pertence a lugar nenhum. A extraterritorialidade não é só a tragédia do protagonista., Reflete também a espoliação, o que está ocorrendo com os índios em geral, face ao avanço de agropecuaristas e madeireiros. É o ponto no qual, por vias tão diversas – um tão elogiado, outro tão apedrejado -, Martírio e Antes Que o Tempo Acabe conseguem dialogar. Um diálogo atravessado, talvez.

Pode ser que, na hora de escolher o melhor filme de Wajda – o grande diretor polonês que morreu no começo do mês -, a preferência da maioria da crítica, senão toda, se volte para o genial Cinzas e Diamantes, de 1958, quando ele ainda estava chegando. Os três filmes citados anteriormente, os de hoje, são dos anos 1970. A Terra Prometida, de 1975, baseia-se no romance do Prêmio Nobel Wladyslaw Reymont sobre os primórdios do capitalismo na Polônia. Três amigos fundam uma fábrica, exploram os trabalhadores. O tema é a luta de classes, um conceito marxista cada vez mais obsoleto num mundo que, paradoxalmente, não eliminou, pelo contrário, as desigualdades. O Homem de Mármore, de 1976, virou o filme do degelo na Polônia. Coloca na tela um sentimento contestatório que, pelos anos seguintes, iria levar aos protestos de Gdansk e à criação do movimento Solidariedade,
O filme é sobre a realização de um documentário sobre um herói do trabalho, daqueles que as autoridades do regime comunista criavam como estímulo para o bom comportamento das massas. O herói se insurge contra a burocracia stalinista e é apagado da história. O degelo poderá trazê-lo de volta. Em 1981, quando O Homem de Mármore estreou no Brasil – com atraso de cinco anos -, Wajda, com o Homem de Ferro, sobre o Solidariedade, estava vencendo a Palma de Ouro em Cannes. Sem Anestesia é ainda mais duro – um jornalista de opiniões livres cai em desgraça. O regime corta seus privilégios, a mulher pede divórcio. Seu mundo desmorona. Nesses três grandes filmes Wajda faz uma espécie de síntese da história da Polônia. Não admira que sua estética, contestadora e engajada, lhe tenha valido o rótulo de Sr. Política.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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