Leonard Cohen sempre esteve diante do abismo. Frente a frente com a escuridão infinita de um buraco do qual não se conhece a profundidade. A cada novo disco, era como estar ao lado do músico canadense. De mãos dadas, em um mergulho cego. Jamais era possível prever como a experiência chegaria ao fim – muito menos quais seriam as feridas abertas pelo caminho.
Seus três primeiros discos, Songs of Leonard Cohen (1967), Songs from a Room (1969) e Songs of Love and Hate (1971), fundamentaram aquilo que Cohen mostraria, às vezes com mais intensidade, às vezes menos, no restante da sua carreira de quase 50 anos.
Liricamente, era um contador de histórias, tramas e pequenos momentos preciosos nos quais as músicas ganham movimento, vida, diante dos olhos de seus ouvintes. O detalhismo e o tino pela narrativa já escancarado na carreira literária completavam a fragilidade especial de uma voz de quem nunca foi, de fato, um exímio cantor.
As palavras, às vezes sussurradas, noutras, gritadas, seguem, uma a uma, como um frame pronto para contar sua história. Songs of Love and Hate escancarava a maturidade de um artista, embora em seu terceiro disco, já com 37 anos. O frescor da música na vida dele e a motivação pela experimentação encontravam um homem já quebrado pela vida, com erros e acertos acumulados. Com seus ressentimentos e amores. Não é por acaso o título do trabalho. Amor e ódio, tão díspares, embora intensos, puxam o ouvinte pelo braço. Transformam-nos em um cabo de guerra indelicado no qual, a cada nova canção, pendemos para as lágrimas ou para o prazer.
Hallelujah talvez seja a canção mais famosa de Cohen, com seus contrastes e suas interpretações. Não é o mais puro Cohen ali, contudo. É melhor ouvir Avalanche, que abre Songs of Love and Hate, ou a arrasadora Famous Blue Raincoat (talvez uma das mais dolorosas músicas que Cohen, ou qualquer outro, já tenha feito).
No último mergulho com Cohen, damos de encontro com a morte. “Veja o quanto sombrio eu posso chegar se quiser”, parece desafiar Cohen no título. Não há medo do fim ali. Homem de fé, ele aceitou que a hora havia chegado. Seus últimos versos cantam um arrependimento por um amor acabado, de String Reprise / Treaty. “Gostaria que houvesse um acordo entre o seu amor e o meu”, canta ele. Cohen se foi. E nos deixou sozinhos, diante de novos abismos e amores mal resolvidos.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.