Foi um exercício de inteligência visual de curtíssima duração: apenas quatro anos, de 1947 a 1951, mas a Galeria Domus, primeira a expor os modernistas, deixou uma história que precisava ser contada. Pioneira a organizar a primeira individual do pintor José Antonio da Silva (1909-1996), em 1948, a galeria, criada no centro de São Paulo pelo casal italiano Anna Maria e Pasquale Fiocca, acaba de ganhar um livro sobre sua breve história, que deixou como legado 91 exposições, entre elas de pintores hoje consagrados como Volpi, Bonadei, Maria Leontina e Milton Dacosta.
Lá, o escultor polonês Frans Krajcberg, naturalizado brasileiro, fez sua primeira exposição em 1951, três anos após chegar ao Brasil. O agitador Flávio de Carvalho elegeu a Domus sua segunda casa. Bonadei, que bordava, aproximou-se do casal Fiocca, também envolvido com o ramo têxtil, e firmou com eles um acordo. Todas essas histórias estão reunidas no livro Artistas na Metrópole – Galeria Domus 1947/1951, escrito pelo advogado e jornalista José Armando Pereira da Silva. A obra é uma publicação das Edições Via Impressa com patrocínio do colecionador Orandi Momesso e apoio do Instituto Volpi.
O livro é imprescindível para estudantes e historiadores de arte. Nele, o autor mostra como São Paulo, ainda uma cidade provinciana quando a galeria abriu suas portas, em 1947, passou a admirar a arte dos primeiros pintores abstratos brasileiros, reconhecer a pintura dos artistas considerados “primitivos”, como José Antonio da Silva, e colecionar as telas de Volpi, descoberto pelo psicanalista Theon Spanudis (1915-1986), ao sair do consultório.
Spanudis, que ajudou a promover alguns dos melhores artistas modernos e contemporâneos (Mira Schendel, José Antonio da Silva, Judith Lauand), tinha seu consultório no prédio onde passou a funcionar a Domus, na rua Vieira de Carvalho, conta o colecionador Orandi Momesso. “Ele desceu, deparou-se com a exposição de Volpi na galeria e ficou fascinado”, conta. Isso deve ter acontecido pouco depois da chegada de Spanudis a São Paulo, em 1950, quando, além de Volpi, ele descobriu a pintura de José Antonio da Silva, que, surpreendentemente, vendeu toda a exposição mesmo antes da abertura.
A galeria teve uma importância enorme para esses pintores e também para os artistas japoneses residentes no Brasil, que, durante a guerra, não podiam expor por ordem do governo, como Tomoo Handa (1906-1996), Takaoka (1909-1978), Takeshi Suzuki (1908-1987) e Kaminagai (1899-1982), entre eles, conta o autor. Outros artistas estrangeiros, como o alemão Arthur Kaufmann, que chegou a expor no MAM em 1954/5, passaram igualmente por lá, assim como Picasso e outros gigantes da Escola de Paris.
Na época em que foi criada a Domus existiam outras galerias atuantes no mercado, mas, observa o autor, “elas não trabalhavam exclusivamente com obras de arte modernas, dividindo o espaço com antiguidades e móveis”. Em sua pesquisa sobre a recepção dos artistas introduzidos no mercado pela Domus, o autor fez um levantamento sobre a fortuna crítica das exposições organizadas pela galeria. “Por meio dela, ficamos sabendo que o descobridor de José Antonio da Silva foi Paulo Mendes de Almeida e que Lourival Gomes Machado, do jornal O Estado de S. Paulo escreveu muito sobre ele.” Uma história, enfim, para não ser esquecida.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.