O que a vida entrelaça, o tempo não desata. Por um incontável número de vezes, desde 1970, Geraldo Azevedo, Alceu Valença, Elba Ramalho e Zé Ramalho se esbarraram, partilharam e se despediram. Em 1996, os quatro se juntaram no palco e, sem modéstia, deram o nome àquela reunião de Grande Encontro. E assim se estabeleceu a conversa entre quatro das vozes mais importantes da música brasileira – estabelecê-los como algo regional é o maior erro que se pode cometer. Cada um efervesce um aspecto muito particular do cancioneiro nacional e, juntos, reproduzem a identidade brasileira como poucos são capazes.
Daquele encontro, outros vieram. Em 1997, sem Alceu, o restante lançou um disco de estúdio. Três anos depois, ainda com o mesmo trio, veio O Grande Encontro 3 – um sucesso comercial com 1 milhão de cópias vendidas. 2016 marcou os 20 anos daquele quarteto no palco do Canecão, no Rio de Janeiro. Em homenagem à data, Geraldo e Elba se uniram desta vez a Alceu e partiram para correr o País com mais uma longa turnê.
Pois o ano do 20.º aniversário daquele show já está no fim. E não deixa de ser bonito ver que um 2016 tão duro se despedirá com mais uma performance de Alceu, Elba e Geraldo. O Grande Encontro em sua formação atual foi escalado para encerrar o ano na mesma cidade onde foi gerado. Na Praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, às 21h45 da noite de 31 de dezembro, o trio subirá ao palco montado nas areias cariocas para celebrar a vida, os encontros e, é claro, desencontros.
O registro de 2016, lançado em CD, DVD e nas plataformas digitais, emula aquela mesma força de 20 anos atrás. A diferença talvez esteja nas cordas vocais. Duas décadas de uso a mais – acredite – fizeram bem ao trio, nesse caso. Porque se, por exemplo, Alceu tinha 50 anos em 1996, em 2016, ele vive a plenitude dos 70. E o faz com quase dez tipos de shows diferentes, dos mais forrozeiros aos carnavalescos, passando pelos psicodélicos Vivo! Revivo! e versões acústicas. Alceu, hoje, canta pelas ruas do Rio, com músicos amadores, em teatros e para multidões. Tão multifacetado quanto seus companheiros de palco neste novo Grande Encontro, com suas canções para dançar forró de corpo colado, ora para expurgar dores e amores.
Há, nos Grandes Encontros, principalmente na versão original, de 1996, uma melancolia escondida no cantos festivos. Há nos versos das quatro vozes – ou três, como agora – mais despedidas do que encontros.
E, se o tempo ofereceu algo de bom a cada um dos três, foi o próprio passar dos anos. É a vivência, a experiência, a vida que cada um teve a chance de experimentar. Canções como essas que figuram no CD e DVD – e no réveillon em Copacabana – ganham novos sabores quando são cantadas agora. Sabiá, clássico de Luiz Gonzaga, revive na voz de quem já sobreviveu a esses versos: “Alivia minha dor, tem pena deu, diz por favor, tu que tanto anda no mundo, onde anda o meu amor”.
A ardida Tesoura do Desejo ganha outro sentido. Tanto tempo depois, as vozes de Alceu e Elba ainda duelam entre a vontade de ficar naquele “certo bar Leblon” e o “desejo de mudar” e partir. O diálogo, 20 anos depois, dói mais. Alceu e Elba de hoje mostram que não encontraram resposta. Nem sim, nem não. Ao eternizarem a angústia da indecisão e a reviverem por duas décadas, escancaram que os dois personagens perderam tempo demais a pensar, quando deveriam ter vivido aquele “sonho bom”, mesmo que “o sonho fatalmente” virasse “pesadelo”, como diz a canção. E a força do Grande Encontro, o de agora, está justamente aí. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.