Variedades

O samba que colocou a bossa nova na pista

Quando o mundo parecia olhar apenas para os violões e seus banquinhos, se fartar das harmonias curvilíneas e dos tempos fortes deslocados do ritmo, o Rio de Janeiro paria um cenário que a decantação do tempo entenderia décadas depois. O sambalanço, até então apenas um verbete em enciclopédias musicais, ganha uma publicação mais aprofundada escrita pelo jornalista e crítico musical Tárik de Souza. Sambalanço, A Bossa Que Dança – Um Mosaico, da editora Kuarup, justifica as três informações do título.

Sambalanço pode ser considerada a antítese da bossa nova, trilhando um circuito próprio e paralelo entre o final dos anos 50 e meados dos 60. Enquanto bossa-novistas queriam o brilho dos novos caminhos harmônicos mostrados pelo jazz, os sambalancistas buscavam o suingue. Se os primeiros contemplavam a cidade do sol, dos barquinhos e do mar, os segundos a tiravam para dançar. E sempre à noite. Mosaico vem do formato que Tárik escolheu. Em vez de uma narrativa linear, biográfica, cobrindo o período de forma cronológica, ele abre o livro com uma apresentação de Zuza Homem de Mello e um capítulo de informações em bombardeio, citando a produção musical impressionante sob a égide do sambalanço, e depois enfileira uma série de entrevistas com os personagens mais importantes do gênero. Os depoimentos foram colhidos durante 15 anos, em ritmo esparso.

Muitos foram feitos para um documentário ainda a ser lançado, com o mesmo nome do livro, com estreia prevista para este semestre.

O sambalanço ainda é um dos elos perdidos da música brasileira. Não é citado pelas linhas históricas nem tem retratos de seus heróis na parede. “A bossa nova contava com uns 500 teóricos, as próprias músicas falavam sobre ela. O sambalanço não, ficou solto no espaço”, diz o autor.

Orlandivo é o primeiro entrevistado. O homem que criou o “samba de chave” com a percussão que fazia com um molho de – não por acaso – sete chaves (a exemplo da caixa de fósforos nas mãos habilidosas de Ciro Monteiro e, depois, Elton Medeiros) conta sobre seu estouro com Bolinha de Sabão e Samba Toff e do dia em que Jorge Ben o procurou para que ele gravasse Mas Que Nada e Por Causa de Você Menina. É história que não acaba.

Tárik segue em entrevista com Durval Ferreira, morto em 2007, o violonista e guitarrista que teve um pé na bossa nova, como o quarto elemento do Tamba Trio, e outro no sambalanço, como integrante do conjunto de Ed Lincoln. Lincoln, esse cearense que começou como baixista do trio do pianista Luiz Eça, se transformaria depois, com seu órgão, no rei dos bailes. Se o sambalanço tivesse de eleger seu João Gilberto, ele seria Ed Lincoln.

As conversas seguem com o pianista João Roberto Kelly, o orquestrador de acento funky Eumir Deodato, o erudito de muitas faces Waltel Branco (que viveu nos EUA como integrante do trio do baterista Chico Hamilton, trabalhando com Nat King Cole e casado com a irmã da cantora Peggy Lee), a ambidestra dos estilos Elza Soares, o músico e compositor Celso Murilo. Há ainda Silvio Cesar, Dóris Monteiro, Jadir de Castro, Lafayette, João Donato, Amanda Bravo, Clara Moreno e Marco Mattoli, do moderno Clube do Balanço.

Tárik lança, ao mesmo tempo, outros dois livros, MPBambas – Volumes 1 e 2, com um total de 28 entrevistas de fôlego, incluindo conversas com Getúlio Cortes, Luiz Vieira, Cauby Peixoto, Johnny Alf (uma provável última entrevista com o artista) e Chico Anysio. Chico traz uma reveladora entrevista, apenas abordando sua face de compositor. “Foi ele a primeira pessoa a usar em música o termo bossa nova, na música Cinema Bossa Nova, de 1955”, diz Tárik.

SAMBALANÇO, A BOSSA QUE DANÇA – UM MOSAICO
Autor: Tárik de Souza
Editora: Kuarup
(271 págs., R$ 35,90)

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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