Berço de parte do ideário republicano brasileiro, a Igreja Positivista do Brasil (IPB) viu sua sede, o Templo da Humanidade, no bairro da Glória, no Rio, completar 120 anos no primeiro dia de 2017. Mas não há motivos para comemorações. O prédio, em estilo que emula o do Pantheon de Paris, está em péssimas condições, com um telhado danificado, por onde passa água da chuva – o que levou à suspensão dos cultos em 2009.
O acervo histórico, formado por documentos que mostram a relação da doutrina com o fim da monarquia e a Abolição da Escravidão, e onde até seis anos atrás estava o protótipo da bandeira nacional (um óleo roubado e nunca encontrado), está se deteriorando. A busca por patrocinadores para preservar esse patrimônio tem se mostrado infrutífera, embora a instituição já tenha obtido a chancela da Lei Rouanet para a captação de recursos.
Para reverter essa situação, os resistentes gestores estão atacando em várias frentes. Fecharam acordo com o Museu da República, no vizinho Catete, para que parte do acervo seja transferida para lá. Estão montando uma força-tarefa com os órgãos de patrimônio estadual e federal para socorrer o material e o edifício. Prospectam editais de fomento para cuidar dos documentos em papel, como cartas dos fundadores. Planejam um crowdfunding no Brasil e em países onde as ideias positivistas, do filósofo francês Auguste Comte (1798-1857) encontraram eco – França, Inglaterra e Estados Unidos. Só a reforma da sede está orçada em R$ 20 milhões. A publicação, no New York Times, de uma reportagem no Natal sobre o ocaso da IPB pode ajudar.
O positivismo religioso foi introduzido no Brasil pelos filósofos Teixeira Mendes (autor da bandeira) e Miguel Lemos em 1881, e teve como seguidores figuras centrais para a República e sua consolidação, como Benjamin Constant e o Marechal Cândido Rondon. O grupo se colocou fortemente contra a escravidão e a manutenção da monarquia e a favor do Estado laico. São atribuídas à influência positivista conquistas sociais como o direito do trabalhador ao descanso semanal, a férias e à aposentadoria. Também teve o dedo da instituição a criação do calendário republicano, com feriados em 7 de setembro, 15 de novembro e 21 de abril. “As pessoas não sabem da importância dos positivistas, confundem a IPB com religião tradicional”, lamenta o presidente da Associação de Amigos do Templo, Luiz Edmundo Costa Leite. “Se ninguém fizer nada, isso aqui vira pó”, diz o diretor da IPB, Alexandre Martins, que sonha com a criação de um centro de pesquisa. O museólogo André Angulo, responsável pela reserva técnica do Museu da República, acredita que o acervo possa reescrever a história da República no País: “Tem muita coisa guardada nas gavetas dos móveis desde o início do século 20. Ninguém leu”.
O museu receberá dois estudos da bandeira, em fase de restauro; os bustos que ficavam na nave do templo, de figuras consideradas por Comte de grande expressão, como Shakespeare, Aristóteles e Homero (equivalentes às imagens sacras da Igreja Católica); telas de Décio Villares, pintor positivista que fez o desenho da bandeira, logo após a Proclamação da República; peças de vestuário usadas em cerimônias. Ainda falta dar destino ao mobiliário, do qual faz parte uma cama que teria sido de Tiradentes.
Primeiro templo positivista no mundo, a sede é poeira pura. Andaimes sustentam o teto da nave. No friso da fachada está a máxima “O amor por princípio, a ordem por base, o progresso por fim” -, do qual saiu o “ordem e progresso” da bandeira.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.