Dia após dia, Gordon Matthew Thomas Sumner, mais conhecido como Sting, passava pela mesma esquina a caminho do estúdio onde gravava o 12º disco de estúdio da carreira. O trabalho, mesmo que não cite Nova York nada além do título, transpira o caos e a miscigenação da cidade norte-americana. Não é por acaso que Sting, ícone do transformador trio The Police, está mais roqueiro do que nunca. Com 57th & 9th, nome emprestado do cruzamento caótico que obrigava o roqueiro a esperar minutos intermináveis à espera de uma chance de atravessar a rua, Sting é preciso. Debate, com ironia, questões que o presidente norte-americano Donald Trump ignora (como o aquecimento global), sem nunca citar o nome do político. Sting, aos 65 anos, não quer brigar. Sem ser mórbido, ele quer mais é aproveitar o que a vida ainda tem a lhe oferecer.
O que há de tão especial nessa esquina das ruas 57ª com a 9ª?
Na verdade, é bem simples. Por ser uma esquina localizada no caminho da minha casa em Manhattan até o trabalho, no estúdio onde gravava o disco, passava por ali todos os dias, pela manhã e à noite. É um cruzamento muito cheio, sempre movimentado. Passava longos períodos à espera para poder atravessar. Então, usava esse tempo para meditar, pensar sobre a vida, sobre o disco, sobre essa cidade. Se tornou uma rotina. Me fazia pensar no que imaginava do futuro.
E o que pensa sobre o futuro?
Eu vejo 2016 como um ano bastante incomum. Um período que mexeu com todos – todo mundo foi afetado pelos acontecimentos daquele ano. E, de algo tão ruim, deve vir algo bom. Acredito que coisas boas virão a partir de agora.
Como assim?
O que aconteceu de ruim no ano passado deve servir para estimular as pessoas à se juntarem no mundo. O que vemos atualmente é mundo se separando, criando muros. As nações estão se dividindo, como aconteceu com o Brexit. Devemos olhar para os problemas do mundo como uma comunidade, não separadamente.
Sim, muros estão sendo prometidos por aí.
Exato. E não é só isso. Veja só a questão do aquecimento global. Isso não é uma questão que afeta só os Estados Unidos, o meu país (Inglaterra) ou o Brasil. Isso afeta a todos. O mesmo vale dizer sobre as questões de imigração. Tudo deve ser tratado como uma verdadeira comunidade. Não basta construir muros e esperar que os problemas vão embora. Eles não vão.
E parece ser possível ser otimista sobre 2017?
A verdade é que é difícil ser otimista agora, nessa situação atual, mas eu acho que nos transformará em algo melhor.
Esse disco, contudo, é menos biográfico do que o anterior, The Last Ship, de 2013, e mais roqueiro. Como ele representa a sua versão de 2016/2017?
Eu vejo canções pessoais, como essa última que acabamos de tratar. Outras nem tanto. É um disco menos pessoal, mas que trata de questões que são importantes para mim, como a mudança climática ou a falta de moralidade. No ano passado, chegamos ao recorde de calor no globo. Pessoas dizem que isso não existe. Nós somos responsáveis por isso!
A sua agenda, pelo o que vi, está cheia até julho deste ano. Ouço músicos reclamarem de passar tanto tempo na estrada.
Para mim, é revigorante. Não acho que uma turnê longa como essa veio do nada. Trabalhei duro e é um privilégio alcançar esse nível. Turnês são difíceis, mas me ajudam a sentir vivo.
Curioso tocar nesse assunto. O disco traz, entre os temas, a morte. São várias reflexões sobre a mortalidade. Uma das músicas, 50.000, é um tributo a Prince e David Bowie, não?
No ano passado, perdemos grandes ícones culturais. Todos falavam sobre como isso era pouco comum. Quando ícones dessa grandeza morrem, percebemos o quanto somos pequenos. David Bowie morreu, entende? Prince idem. Como isso? Ficamos surpresos. Temos uma noção ainda maior da nossa mortalidade.
Você sente isso também?
Claro. Todos nós, infelizmente, somos mortais. E isso acontece. É importante aceitar que isso, a morte, chegará para todos em algum momento. É bom entender que não há tempo sobrando. Isso é algo a ser levado como uma filosofia de vida. Não quero ser mórbido, pelo contrário: a noção da proximidade da morte deixa a vida inteira mais rica.
Você chegou a pensar que, agora, a esquina que dá nome ao disco ficará ainda mais cheia, a partir de agora, com curiosos e fãs? Eu mesmo devo passar lá na próxima visita à cidade.
(Risos) Acho que sim. Mas é um lugar já bastante movimentado. Quando estiver por ali, aproveite para comer em um restaurante grego de lá chamado Morning Star.
Mas é muito caro? Convenhamos, o salário de um jornalista é bastante diferente do dinheiro de um rockstar.
Não se preocupe! Eles são baratos, é um preço de almoço justo. Quando estiver por lá, diga a eles que foi o Sting que lhe indicou o lugar. Pode ajudar.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.