Nos fundos de um ensolarado Pátio Cultural, localizado na zona oeste de São Paulo, a cantora Camila Garófalo e a dupla Raquel Virgínia e Assucena Assucena, da banda As Bahias e a Cozinha Mineira, conversam sobre preconceito, sexualidade e a difícil missão de serem aceitas num meio artístico majoritariamente masculino e em seus respectivos núcleos familiares. “Eu fiquei muito feliz com a participação que tive no programa Encontro, da Fátima Bernardes, na semana passada. Minha mãe, entretanto, mal olhou na minha cara. Ela não gosta da minha exposição na TV. Não recebi um único parabéns no grupo do WhatsApp da família”, afirma a transexual Raquel Virgínia.
Tiê, mais ao fundo, coloca chá gelado num dos copos de vidro, senta-se à mesa e acrescenta: “O preconceito e o machismo surgem de todos os lados. Uma vez, um cara do meio musical me perguntou quantos p… eu tinha chupado para chegar até onde havia chegado”, desabafa.
Essas e outras histórias podem ser ouvidas com certa frequência. Com o intuito de quebrar tabus e ratificar a importância das mulheres e transexuais nos palcos e em grandes festivais, surge a Sêla, uma marca criada para formalizar o coletivismo feminino na cena musical. Os shows do evento, formado só por atrações femininas, começam no Centro Cultural São Paulo nesta sexta-feira, 3.
Quem idealizou todo o projeto da chamada “aliança das mulheres na música” foi Camila Garófalo, que também se apresenta na Sêla. A ideia surgiu durante as gravações de Camarim, faixa prévia de seu segundo álbum de estúdio. Para ela, tudo aconteceu de maneira rápida e intensa. “Para a coisa se sustentar, é preciso que as mulheres sejam as responsáveis pelas decisões reais, ou seja, mais do que atrações dos festivais, elas devem ter o poder da caneta. Lugar de mulher também é no palco, cantando e tomando decisões”, diz Camila.
A primeira edição da Sêla, que começou na última quarta-feira, 1°, não é apenas voltado para o âmbito musical. O festival também terá rodas e bate-papos sobre a pluralidade do gênero feminino, raças, identidades e orientações sexuais. “Acho que cada vez mais é preciso ter essa ideia de que o mundo é plural. Todos nós podemos conviver em harmonia: mulheres, lésbicas, trans e heteros. Além de espaço na música, queremos também promover a pluralidade e acabar com a cultura do patriarcado como centro do mundo”, afirma Tiê.
No line-up, além de Tiê, As Bahias e a Cozinha Mineira e Camila Garófalo, MC Luana Hansen, a multi-instrumentista Anna Tréa e a rapper Tássia Reis completam a programação da Sêla. Além da escalação purpurinosa, Camila também se preocupa com a equipe que trabalha nos bastidores da música. Segundo ela, o mercado para produtoras, técnicas de som e instrumentistas ainda é escasso. “Eu sempre dou o exemplo da Mahmundi, que compôs e produziu seu próprio disco e conseguiu fazer um dos melhores álbuns do ano passado. Ela começou como técnica de som lá no Circo Voador, no Rio de Janeiro. É uma exceção. Quantas produtoras você conhece? De quantas técnicas de som se lembra? A coisa ainda é muito desproporcional. Para os próximos anos, queremos ampliar as propostas da Sêla e trazer mais profissionais femininas destas áreas específicas. Tempos atrás, as mulheres não podiam nem tocar violão, só piano. Imagina quantas canções foram compostas por mulheres e creditadas a homens justamente por existir essa questão?”, complementa Camila.
PROGRAMAÇÃO MUSICAL
Sexta (3)
Abertura: LaBaq, Marina Melo e Mel Duarte
Show principal: Tássia Reis
Horário: 19h
Sala Adoniran Barbosa
Sábado (4)
Abertura: Sara não tem nome e Camila Garófalo
Show principal: As Bahias e a Cozinha Mineira
Horário: 19h
Sala Adoniran Barbosa
Domingo (5)
Abertura: Natália Matos e Sandyalê
Show principal: Tiê
Horário: 19h
Sala Adoniran Barbosa
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.