Quinze anos depois de O Chamado, remake de um filme japonês em que as pessoas morriam após ver uma fita de vídeo, Gore Verbinski volta a mexer com os nervos do público em A Cura, em cartaz no Brasil. Com Dane DeHaan (Life – Um Retrato de James Dean), Jason Isaacs (Harry Potter e as Relíquias da Morte e Hotel Mumbai) e Mia Goth (Ninfomaníaca) nos papéis principais, A Cura, segundo define o diretor, é “uma narrativa gótica contemporânea”, que inocula no espectador a certeza perturbadora de que, em alguns casos, o remédio é pior do que a doença.
Em A Cura, incumbido pelos sócios da financeira para a qual trabalha, o jovem Lockhart (DeHaan) deve ir à Suíça para trazer de volta a Manhattan o diretor executivo da empresa, que se internou numa clínica em um castelo nos Alpes especializada em hidroterapias. Por causa de um acidente, Lockhart acaba como paciente da mesma clínica e começa a descobrir algo estranho naquele lugar aparentemente tão perfeito.
A distribuidora Fox exibiu em NY, em dezembro, cerca de 30 minutos do filme para que a imprensa estrangeira pudesse falar sobre ele com Verbinski e DeHaan. Seguem aqui os principais trechos de uma mesa-redonda com o diretor.
De onde partiu a ideia para o roteiro que você e Justin Haythe criaram para o filme?
Nós dois somos fãs de A Montanha Mágica, de Thomas Mann, mas o filme não tem nada a ver com o livro, mas tem aquela ideia de gente agarrada à sua doença naquela época um pouco antes da 1.ª Guerra. Hoje, como sociedade, nós também não estamos bem. O filme não é um comentário social, apenas toca numa espécie de sensação de que estamos com o mesmo diagnóstico. Partimos de ideias como a de pegar um homem moderno, colocá-lo num lugar velho o suficiente para ter visto a revolução industrial, dizer “você não está bem” e estar certo sobre isso. Mas também queríamos expor a ideia de a cura ser pior que a doença.
O filme estreia num período em que países como os EUA parecem precisar de uma cura, não?
Olha, seja de que lado do espectro estivermos, todos nós conhecemos história. Meio ambiente, economia, qualquer que seja a questão ela entra nesse diagnóstico. A indústria farmacêutica está sempre inventando doenças para pôr pílulas no mercado. É um mundo louco, como se existisse um lugar onde é possível ser absolvido, onde os grandes líderes possam receber essa espécie de absolvição. Você ouve do seu médico que você não é responsável pelas coisas porque você não está bem. É essa a grande trapaça – você não está bem, mas há esperança, cura – que o põe naquele círculo: não sou responsável por aquilo que fiz… estou melhorando… assim que eu começar meu novo tratamento… E você vai perder todo o seu sangue sem nem saber. Estamos num mundo cada vez mais irracional. É mais fácil deixar correr, fazer de conta que está melhorando. Mas para alguns, como Lockhart, isso é mais difícil. Ele quer saber o que está acontecendo.
Depois de dirigir três filmes da série Piratas do Caribe, ganhar um Oscar com a animação Rango e fazer O Cavaleiro Solitário, entre outros, você retoma o gênero de suspense com que trabalhou em O Chamado, de 2002. O que o atrai nesse gênero?
Este filme é uma narrativa gótica contemporânea. Gótico, para mim, é alguma coisa como abrir-se uma cortina e estar ali um cavaleiro sem cabeça ou algo assim. Mas este é o agora, somos nós. O gênero permite o nonsense da lógica do sonho. As coisas não precisam ser como são quando estamos acordados. Não têm lógica, mas podem acontecer na forma que nossos sonhos se desdobram. Sou fascinado pela ideia de negação e inevitabilidade. Elas convergem sempre. Não se vê, mas se sente a relação entre as coisas.
Você filmou A Cura na Alemanha, mas a história se passa na Suíça. Por que escolheu a Suíça como local dessa história?
Os alpes suíços dão a sensação de ar fresco e limpo, mas é um lugar muito caro para filmar. Tínhamos um orçamento bem modesto, o filme é de um tipo difícil de fazer e este foi feito, desde o princípio, sem nada das facilidades de grandes estúdios. Mas é uma coisa que prefiro porque não há quem se intrometa e você tem que fazer funcionar. Na Alemanha, tivemos um bom incentivo com isenção de impostos, fui para lá só com meu diretor de fotografia, Bojan Bazelli, e trabalhei com pessoas com quem nunca tinha trabalhado. Foi uma espécie de reinício, sem aquele conforto de trabalhar com quem se está acostumado. Então, se retoma o espírito de pegar uma câmera e contar uma história. Nada de equipes enormes em que tudo dá errado! Para mim, foi catártico, foi minha cura!
O título original do filme, em inglês, é A Cure for Wellness (Uma Cura para o Bem-Estar). Por que esse paradoxo?
É intencionalmente enigmático, dadaísta como um telefone lagosta (referência ao objeto criado pelo surrealista Salvador Dalí, em 1936). Esta é a questão principal: estamos tentando consertar alguma coisa que é benigna? É uma espécie de cegueira, todos hoje se debatem num mundo irracional. Não se aceita isso, mas a negação não vai adiantar. É como uma mancha no pulmão: você pode fazer de conta que ela não existe, mas isso não vai fazê-la desaparecer.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.