Variedades

Festival de Curitiba traz autor pesadelo de atores

Quando as fronteiras se fecham para as pessoas, as palavras podem abrir novas clareiras. Como uma mensagem lançada dentro de uma garrafa, o texto Coelho Branco Coelho Vermelho, de Nassim Soleimanpour, não conseguiu libertar o iraniano que estava impedido de sair de seu país, mas transformou a peça em um fenômeno internacional.

Desta vez, livre para escrever e circular pelo mundo, o autor estreia novamente no Brasil com Blank, na 26.ª edição do Festival de Curitiba, que abre nesta terça-feira, 28, e vai ter no elenco Du Moscovis, Debora Bloch, Caio Blat, Camila Pitanga, Julia Lemmertz e Gregório Duvivier. Em cada noite, um ator vai receber o texto em um envelope lacrado no exato momento em que pisar no palco. “É o pesadelo de todo ator: estar lá e não saber o que tem que dizer”, aponta o ator e um dos curadores do festival Guilherme Weber.

Em 2013, ele participou de Coelho Branco Coelho Vermelho, quando Soleimanpour estava com o passaporte confiscado pelo governo por não ter se apresentado para o alistamento militar. “Ele fez uma carta que tornava público esse desabafo. Sua condição como artista preso no próprio país foi compreendida pelos colegas do mundo todo.” Nos anos seguintes, o texto do iraniano foi traduzido para mais de 15 línguas. “Ele acabou fundando uma estética muito interessante”, explica Weber, sobre o sistema da peça que rejeita a figura de um diretor. “Além de falar, em primeira pessoa, a formato renova sua relação com a plateia, nos coloca em um lugar de confiança com a plateia, pois nada vai intermediar essa experiência”, conta Weber.

Em Blank, esse formato se mantém. O acordo para que o ator convidado possa participar é que ele não pode pesquisar nada sobre Soleimanpour e sua peça. Em entrevista por e-mail, o autor explica que o sucesso de Coelho Branco Coelho Vermelho ajudou a moldar a nova peça, que define como uma “máquina de histórias”. “Em uma máquina, você precisa pensar em planos estruturais, estratégias e ferramentas inventivas. Por isso, eu tive que explorar e estudar mecanismos linguísticos que são capazes de evoluir até conseguir.”

Nesse sistema, além de não caber a tradicional figura do diretor, também são rejeitados ensaios, o que para o iraniano refresca o palco e a plateia com acontecimentos inesperados e mais livres. “Os erros podem nos surpreender e as surpresas são apreciadas. Os ensaios ainda estão vivos, assim como na vida real. Isso é o que eu quero compartilhar com o público, a humilde frescura dos ensaios em vez da falsa perfeição de uma performance.” Para Weber, o tema de Blank também inspira essa relação formal. “É um manifesto político sobre censura contra artistas. Isso em continuidade com a história do autor, que agora deixou o país. Sua voz permanece e se comunica em estado imediato nesse lugar tão frágil.”

Mas nenhum dos atores pode saber isso, inclusive Debora Bloch, que recebeu o convite entusiasmada. “É o lugar mais inseguro em que um artista pode estar”, conta a atriz. “Acredito que é preciso ter disposição e muita intimidade com o palco. Esse encontro às cegas com a plateia tem que ser muito corajoso.” Para a atriz, que já foi dirigida por Weber em Os Realistas (2016), essas surpresas não são tão potentes na televisão ou no cinema. “No palco, sempre há a chance de experimentar mais livremente. E é o teatro que pode nos presentear com isso.”

Renovação

Com mais de 350 atrações, a programação organizada por Weber e Márcio Abreu é a continuidade do segundo ano da curadoria da dupla. Sob diversos eixos, o festival quer buscar uma renovação no olhar, investindo em artistas e instigando suas criações. Nessa lista, há um espaço para atrizes brasileiras, entre elas Fernanda Montenegro, que abre o festival com a leitura de Nelson Rodrigues por Ele Mesmo, uma obra organizada pela filha do dramaturgo, Sonia Rodrigues.

Entre as apostas dos curadores está o performer Wagner Schwartz e seu Transoficina, o prosseguimento do trabalho desenvolvido em Transobjeto, uma performance corporal que aglutina os trabalhos de Lygia Clark e Hélio Oiticica, passando por Caetano Veloso e Carmen Miranda. Além de estreias internacionais, nos 13 dias de festival, o público também vai acompanhar uma safra de espetáculos paulistas como Amadores, da Cia. Hiato, que constrói um encontro entre público e artistas amadores, e Farinha com Açúcar – Ou Sobre a Sustança de Meninos e Homens, um retrato da masculinidade negra na periferia feito pelo Coletivo Negro. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Posso ajudar?