Elas arrebentaram o próprio carro em uma ponte. Elas assistiram ao veículo ser tomado pelo fogo. Elas colocaram todos os pertences dele em uma mala e a jogaram pelas escadas. Elas não ligam, pelo contrário, adoraram. É essa impetuosidade juvenil, “eu sou dos anos 90, bitch”, que canta a dupla sueca de electropop Icona Pop. Música que fez ferver as pistas de dança de 2012 e chamou a atenção para as duas amigas. Nenhuma atenção dedicada às duas foi maior do que a recebida pela inglesa que participa da canção. Vinda de Cambridge, na Inglaterra, Charlotte Emma Aitchison, a Charli XCX, tinha 20 anos e emprestou sua voz ao hit como se tivesse vivido tudo aquilo. E não me surpreenderia se ela realmente o vivesse daquela forma.
Ela, aliás, diz que sim. “Toda as músicas que canto vêm desse lugar pessoal. São experiências que vivo que transformo em versos”, ela garante, em entrevista ao jornal “O Estado de S. Paulo”. I Love It e a parceria com a rapper Iggy Azalea chamada Fancy, da mesma época, colocaram Charli XCX nos radares do pop. Quem era aquela moça que parecia viver no limite do pop, com atitude por vezes autodestrutiva tal qual dita a cartilha de comportamento do punk?
O Brasil a conheceu pessoalmente em 2014, um ano depois do disco de estreia dela, True Romance, ter sido lançado. A apresentação integrava a programação do MECAPresent SP e, é claro, contou com I Love It. Ainda faltava rodagem à moça, mais discos e canções na bagagem. Ao voltar à cidade, Charli XCX tem mais cancha – são três discos. Atração do dia musical do Cultura Inglesa Festival, que já trouxe de Franz Ferdinand a Jesus and the Mary Chain, ela se apresenta no início da noite deste domingo, dia 11. A brasileira Karol Konká fará a apresentação de abertura. Os ingressos são gratuitos.
“Posso dizer que a minha vida ainda é tão louca quanto era naquela época que visitei vocês da outra vez”, diz Charli XCX. Ela falava de Londres e conta que havia acabado de retornar de uma turnê pela China. Atualmente, ela brinca, não tem casa. Não uma, pelo menos. Quando não está na estrada, divide-se entre Inglaterra e Estados Unidos.
Dias depois de conversar com o Estado, ela voltaria a Los Angeles, para finalizar Number 1 Angel, um disco que ela prefere chamar de mixtape. “As pessoas não têm ideia de quanto eu componho. Faço isso o tempo todo”, ela garante. “Toda a coisa foi criada para ser uma mixtape. Fizemos tudo em um intervalo de duas semanas. Essa mixtape é a minha consciência colocando emoções para fora. Foi assim que isso nasceu”, lembra.
O processo de gravar não fez com que a vida de Charli XCX pisasse no freio, garante a cantora. “As coisas ainda continuam muito loucas”, diz. “Tenho passado mais tempo no estúdio, mas isso não significa que tudo esteja se acalmando. Tenho feito música e ainda realizando alguns shows. Tudo ainda é muito maluco.”
“É claro”, continua ela, “não é exatamente como eu imaginava quando eu comecei.” A vida em turnê é dura e exigente, explica a cantora, que hoje não é nenhuma novata, apesar da pouca idade, 24 anos. “Imaginava que minha vida seria uma festa sem fim. Todas aquelas coisas estúpidas acontecendo, ficar com garotos e me sentir como uma adolescente. Não é só isso. Ainda é preciso acordar cedo para viajar, é preciso trabalhar duro. É uma vida diferente do que imaginava, mas ainda tento fazer de tudo uma festa. Gosto de dizer que viajo e levo uma festa ambulante comigo.”
A vida em Los Angeles fez com que a cantora criasse novos hábitos, como dormir quase todas as noites na mesma cama. “Normalmente, acordava em um lugar diferente por vez”, ela relembra. “É, talvez a minha rotina esteja um pouco diferente. A vida em estúdio é outra, mais relaxada. Meu problema é que preciso experimentar tudo aquilo que estou escrevendo”, adianta.
Number 1 Angel, portanto, é o resultado das novas experiências em Los Angeles e da vida pós-fama. “Sobre altos e baixos, como eu sempre costumo fazer”, explica. Há uma efervescência no pop eletrônico da jovem britânica que soa diretamente saído de noites mal dormidas na cidade da costa oeste dos Estados Unidos. Há menos farra desproporcional na mixtape. As batidas ali são mais lentas, como se as festas já estivesse perto do fim e o sol já teimasse a surgir e dar início a um novo dia.
Músicas como 3AM (Pull Up), Blame it On Me e Babygirl soam dessa forma, quando a ressaca dos excessos já martela a cabeça. “Los Angeles enfatiza essa questão do fim da festa”, analisa Charli XCX. “É possível curtir uma festa inacreditável em Hollywood e, depois, é preciso encarar a própria realidade, voltar para sua vida. Gosto dessa distorção de realidade.”
Dentro dessa nova realidade, a música da inglesa mudou. Ela chamou a atenção ao cantar seu amor pelo caos, hoje admite que suas canções ultrapassam essa armadura festeira e chegam mais próximo de quem ela é quando não está virando as noites por aí. É o que ela canta em Dreamer: “Eu sou uma sonhadora”, diz um dos versos. “Essa pessoa dessa música definitivamente sou eu. Acho que todos nós somos sonhadores, não? Temos nossos objetivos”, ela explica. “Para mim, por alguma razão, acho que essa é uma canção triste. Sonhamos com tanta coisa, com o sucesso, e nem sempre ele vem. É uma música sobre falhar”, acrescenta a cantora.
CULTURA INGLESA FESTIVAL – CHARLI XCX
Memorial da América Latina. Praça Cívica. Avenida Auro Soares de Moura Andrade, 664, Barra Funda, telefone 3393-8615. Dom. (11), 14h. Grátis.
OUTRAS ATRAÇÕES
Unfaithful
Lavínia Pannunzio dirige Unfaithful, texto do irlandês Owen McCafferty no Teatro da Cultura Inglesa, neste sábado, 10, 21h e domingo, 19h. São dois casais em um labirinto de sofás para falar sobre conflitos relacionais e de gerações que surgem após suposta traição. A entrada é grátis e os ingressos são distribuídos 1 hora antes da peça.
Fabio Flaks
Inspirada na série The Last Supper (1999), do britânico Damien Hirst, Fabio Flaks traz telas que investigam as ambiguidades da vida cotidiana, no Centro Brasileiro Britânico, até o dia 18/6, com entrada franca. As pinturas a óleo representam as faces opostas das caixas de medicamentos de Hirst e abordam o esvaziamento desses objetos.
Being Mick
A vida do astro dos Stones, Mick Jagger, foi registrada por um ano e poderá ser vista em Being Mick, neste sábado, 17h, no MIS, com ingressos distribuídos uma hora antes. As imagens foram filmadas pelo próprio cantor que mostra seu dia a dia, como a gravação do álbum Goddess in the Doorway e momentos com Elton John e a atriz Kate Winslet.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.