Uma dança que dialogue e se conecte com nosso tempo e nosso meio. A máxima fez com que Ismael Ivo, diretor do Balé da Cidade de São Paulo, revisitasse os 49 anos da companhia e elegesse as coreografias Cacti e Paraíso Perdido para compor o programa da temporada que começa nesta sexta-feira (16), às 20h, no Teatro Municipal.
As obras refletem sobre o que Ivo chama de “era do delusionismo”. “As pessoas estão desiludidas. Talvez, como somos um país que está engatinhando nos primórdios da democracia, não sabemos ainda o que é o exercício democrático. As pessoas se voltaram umas contra as outras por causa de política partidária”, afirma o diretor. “Estamos dançando nas ruínas dos nossos princípios. Não estamos batendo panela nem para um lado nem para o outro. Estamos batendo panelas nas nossas próprias cabeças. A dança não traz soluções, mas inspira mudanças.”
O grego Andonis Foniadakis criou Paraíso Perdido para a companhia em 2011. Com trilha original de Julien Tarride, o coreógrafo usou como referência quadros do flamengo Hieronymus Bosch, que entre os séculos 15 e 16 pintou cenas fantásticas, até mesmo grotescas, unindo o sagrado e o profano. Os figurinos são do estilista João Pimenta.
“Paraíso Perdido é como uma orgia corporal, na qual há uma busca, um momento em que não existem soluções. Mas as pessoas continuam buscando. Para mim, a obra é como as Bacantes, as seguidoras de um deus do êxtase. Muitas vezes e não pejorativamente, somos um país em que o êxtase tem o poder de tomar conta. Mas as Bacantes de Dionísio enlouqueciam, corriam para a floresta e decepavam os animais com as próprias mãos. Acho que estamos em um período no qual não conseguimos mais discernir entre amor, violência, ódio, esperança… Estamos vivendo um paraíso perdido.”
Cacti é a premiada coreografia do sueco Alexander Ekman, com música de Haydn, Beethoven e Schubert. Uma obra irônica que questiona o sentido da arte e da própria dança, segundo Ivo.
“Estamos vivendo em uma terra árida, onde os corpos dos bailarinos estão vibrando, batucando, tentando criar um rito para sobreviver. Mas sabemos que estamos em terra de cactos, em que a importância da arte e do corpo dos bailarinos, até mesmo dentro do panteão das artes, é inferior. Mas quero advertir que não subestimem o poder e o valor da dança hoje”, diz. “A dança dá um momento para que as pessoas parem e comecem a pensar de novo, a retraçar caminhos. Como brasileiros, somos feitos de uma matéria que resiste.”