Maior patrocinadora da cultura brasileira nos anos 2000, a Petrobras, em processo de superação da crise gerada pelas perdas de receita e escândalos de corrupção dos últimos três anos, mudou seu posicionamento ao selecionar e financiar projetos. O Programa Petrobras Cultural (PPC) tem agora como diretriz o fortalecimento da combalida marca da empresa. Deixam de ser critérios a necessidade de abrangência nacional e a invisibilidade dos projetos para o mercado – princípios que, no passado, possibilitaram que iniciativas culturais do interior do Norte e do Nordeste, sem acesso a apoios privados, florescessem.
O PPC contemplava projetos nas áreas de cinema, música, artes cênicas, literatura, formação e preservação. Entre 2001, quando começaram os editais, e 2011, distribuiu R$ 2,1 bilhões, sendo R$ 1,15 bilhão por meio da Lei Rouanet. O ano do maior aporte foi 2006, quando a estatal teve lucro recorde: foram R$ 288 milhões. Em 2012, foi realizada a última seleção pública nacional. Dois anos depois, houve uma chamada regional, só para Minas Gerais, no total de R$ 10 milhões. De 2015 para 2016, o valor investido em cultura passou de R$ 161 milhões a R$ 94 milhões; em 2017, caiu a R$ 65 milhões. Desde 2003, foram 3.700 agraciados.
“Temos um novo planejamento, vamos chamar agora por segmento. Os próximos serão música, artes cênicas e audiovisual”, conta o gerente de patrocínios da empresa, Diego Pila. “A gente tinha um programa muito alinhado com a política pública de cultura (do Ministério da Cultura). Agora, é mais focado na Petrobras como empresa, que passa por um reposicionamento de marca, e menos no governo. A empresa avalia onde tem mais potencial de retorno de marketing e território mais próprio. Com menos recursos, temos que investir de forma mais assertiva, e em praças onde temos maior visibilidade.”
O discurso é bem diferente do que a Petrobras manteve no passado, especialmente nos dois governos Lula (2003-2010), quando recebia mais de sete mil inscritos por ano e era instada a distribuir os recursos de maneira equânime por todas as regiões do País, sem favorecer os já privilegiados centros do Sudeste e do Sul.
Era uma época em que a gerência de patrocínios tinha como prioridade atender justamente a quem não tinha apelo midiático, e que produtores locais, fossem músicos querendo gravar seus CDs, representantes indígenas lutando por sua cultura ou bibliotecas públicas de cidadezinhas em busca de sustento, passavam por oficinas organizadas pela empresa, que tinham como objetivo capacitá-los para melhorar a qualidade dos projetos enviados, tornando-os competitivos. As diretrizes se coadunavam com um MinC que se pretendia “presente em todos os cantos e recantos de nosso País”, como disse Gilberto Gil em sua posse como ministro, em janeiro de 2003.
Hoje, os produtores lamentam as mudanças. Principalmente porque coincidem com a crise econômica brasileira, que fez minguar os patrocínios de empresas privadas. “Estamos órfãos da Petrobras no teatro e no cinema, sentimos muita falta dos editais. Perdemos também o dos Correios, o da Eletrobras. Com a crise, temos mais dificuldade também de conseguir captar via Lei Rouanet. É um momento em que os procuradores estão precisando se reinventar para conseguir manter os projetos em andamento”, diz Bianca de Felippes, produtora de teatro e cinema.
Também afetado pela crise da Petrobras, o Programa Petrobras Distribuidora de Cultura (PPDC), que já apoiou iniciativas como o Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, o Salão da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil e o Cinema BR em Movimento, projeto de difusão de filmes nacionais que viajava o País, está voltado, desde 2009, apenas à circulação de peças teatrais não inéditas, adultas e infantojuvenis. A seleção pública é feita a cada dois anos, e 240 espetáculos já foram contemplados, com apresentações em 150 municípios, informou a empresa. O valor tem se mantido R$ 15 milhões por edição.
Para quem conta com patrocínio direto da Petrobras, sem a necessidade de seleção, a longevidade da relação com a empresa não tem sido garantia de tranquilidade. “Dependendo do ano, renovar é mais complicado. Em 2016, com a Petrobras no meio do turbilhão, a gente ficou na incerteza até meados do primeiro semestre, sem saber se conseguiria fazer as comemorações dos 35 anos do grupo. A gente ficou bem preocupado”, lembra Beto Franco, diretor do Grupo Galpão, patrocinado há 16 anos – são R$ 2 milhões por ano. “O apoio da Petrobras fez com que a gente desse um salto de qualidade e tivesse uma equipe fixa maior. Hoje são cem espetáculos por ano, no Brasil e fora.”
Os maiores investimentos atuais são na Orquestra Petrobras Sinfônica (Opes), patrocinada há 30 anos (R$ 11,5 milhões anuais), no Grupo Corpo (há 17 anos) e Cia de Dança Deborah Colker (a partir de 1995 com a BR Distribuidora e desde 2009 com a Petrobras) – ambos recebem R$ 2,3 milhões. Anualmente, são apresentados relatórios com resultados de público e retorno de mídia.
“Nosso relacionamento com a Petrobras é o melhor possível, falamos com eles todos os dias. Obviamente a gente ficou receoso com o momento difícil da empresa, mas o que a gente decidiu foi acreditar nos nossos projetos, e entender que num momento é preciso trabalhar o dobro”, diz Mateus Simões, diretor executivo da Opes. O grupo orquestral nasceu em 1972 dentro da empresa, que hoje o tem como o projeto com maior associação à marca Petrobras.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.