Variedades

Noite de alta temperatura política dá início ao Festival de Brasília

A noite de abertura do 50º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro não poderia ter sido mais política, bem de acordo com a tradição do evento criado por Paulo Emílio Salles Gomes em 1965. O ator Matheus Nachtergaele interpretou uma arrepiante homenagem à capital e ao homem brasileiro, e a encerrou com um sonoro, retumbante e prolongado “Fooooooora Temer!”, que puxou o coro da plateia e a deixou em estado de grande emoção.

Depois do discurso do secretário de Cultura do DF, Guilherme Reis, houve homenagem a três personalidades do audiovisual de Brasília falecidas este ano, o cineasta Geraldo Moraes, o documentarista Manfredo Caldas e o produtor e cineasta Márcio Curi. Três pessoas muito queridas na cidade. Três filmes de curta-metragem os homenagearam.

Em seguida, ainda no capítulo homenagens, houve a entrega da Medalha Paulo Emilio Salles Gomes a Nelson Pereira dos Santos. Nelson não pôde comparecer e se fez representar por um dos seus filhos, Diogo Dahl. Quem fez a entrega foi Jean-Claude Bernardet, que recebeu a medalha ano passado.

O ato foi de grande simbolismo para Brasília. Paulo Emílio (1916-1977) foi o criador do Festival de Brasília quando lecionava na UnB, tendo como colegas Jean-Claude e o próprio Nelson. A força bruta da ditadura abateu-se sobre a então jovem UnB e provocou demissões no quadro docente. Outros professores demitiram-se em solidariedade.

Dessa memória dos anos de chumbo era feito o pano de fundo dessa entrega simbólica num festival que, apesar de tudo, e contra o autoritarismo da época, viveu, cresceu e chega agora cheio de saúde à 50ª edição. Sua sobrevivência pode ser entendida como a vitória da cultura sobre as botas do arbítrio.

Em lembrança da figura tutelar de tudo isso, o paulistano Paulo Emilio Salles Gomes, foi exibido o curta “Festejo Muito Pessoal”, de Carlos Adriano, inspirado em texto homônimo do crítico, no qual relembra seus filmes de predileção, entre os quais os de Jean Vigo (“O Atalante”, “Zero de Comportamento”), cineasta a quem dedicou um dos seus estudos mais famosos, publicado quando ainda vivia na França.

O longa da noite, fora de concurso, foi “Não Devore meu Coração!”, de Felipe Bragança. Baseado em texto de Joca Reiners Terron, conta a história de dois adolescentes, o brasileiro Joca e a indígena paraguaia Basano, que vivem uma história de amor e ódio complicada, na fronteira entre os dois países, demarcada pelas águas do Rio Apa. Com disputas entre grupos rivais de motoqueiros dos dois países, o longa se instala nas questões fronteiriças, tendo em vista uma pesada dívida histórica – a Guerra do Paraguai, na qual a população masculina do país vizinho foi praticamente dizimada.

Tendo Cauã Reymond como grande estrela, no papel do irmão mais velho de Joca e líder de uma das gangues de motociclistas, o longa oscila entre uma narrativa cheia de simbolismos e a pegada realista. Mas não se preocupa em ser linear. Trabalha com certa vacuidade e essa disposição lacunar exige a participação de quem o assiste. Numa noite que começou fervendo, foi recebido com certa frieza.

Na noite deste sábado, dia 16, no Cine Brasília, começa a mostra competitiva e longas e curtas-metragens.

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