O show do BaianaSystem é uma experiência, meus amigos. Quase como um ritual, um processo de reflexão, uma comunhão que dança, que sente o grave a bater tão fundo, direto no peito, como se sacudisse a própria alma.
É, sonoramente, o Brasil mais Brasil possível, na atualidade. Não há grupo no País que seja capaz de propor uma reflexão com tamanha potência.
Adjetivos faltam. Essa é a verdade. Porque o grupo que vem da Bahia trouxe em Duas Cidades, seu mais recente disco, uma reflexão a respeito do deslocamento, a dureza do urbano e da inadequação. Diante do novo contexto de instabilidade econômica e política, o BaianaSystem assume a função de provocar a reflexão sobre o que são as duas cidades em uma só, sobre distâncias sociais, com musicalidades distintas tão comentadas – o axé e o rock, o cavaquinho e a guitarra, o eletrônico e o orgânico.
O que o BaianaSystem faz é encurtar a distância entre dois pontos em uma linha reta. Há lirismo nos versos contidos vociferados por Russo Passapusso. Com pouco, ele quebra padrões. O vozeirão é grave, imperativo. É um estrondo, um trovão raivoso, como se viesse de outra realidade.
“Vamos fazer barulho pelas comunidades do Rio de Janeiro?”, pediu Passapusso ao subir no palco. Sujeito pacato fora do palco, ele se transforma. No Sunset, ele é a tempestade. É sangue fervendo, quente, borbulhante.
As máscaras de cartolina sempre distribuídas durante as apresentações do BaianaSystem não puderam ser distribuídas por questões de segurança. Ao meio da apresentação, contudo, chegou-se a um meio termo: elas poderiam ser entregues ao público, mas sem o elástico. Acabaram transformadas em leque para mais acalorados ao longo da apresentação fervente.
No Rock in Rio, a fusão sonora ganhou o requebrado do kuduro, ritmo dominado pela angolana Titica, com quem a banda dividiu o palco em uma canção, Capim Quiné. Sozinha, ela e mais duas bailarinas aproximaram ainda mais Brasil e Angola. Como se o oceano não existisse, os ritmos seguiam na mesma BPM, o mesmo “tum tcha, tum tum tcha!” que comanda o funk carioca.
De volta ao palco, Passapusso incendiou. Com teclado e guitarras, ambos distorcidos, eles formam um heavy metal do terreiro, possuído por alguma entidade do candomblé.
Passapusso, com óculos que parecem sair de uma ficção científica sobre futuro distópico insano – talvez mais próximo da realidade que a gente gostaria -, pede para o público repetir: “É do amor, é só amor!” Como um mensageiro apocalíptico do caos, ele mesmo responde ao chamado: “Essa é a resposta para todas as perguntas!”
É impossível saber se o chão tremia pela potência dos graves ou pelos saltos do público. Só se pode ter certeza, ao final da apresentação. Algo sabido por que quem já havia estado em show do BaianaSystem sabia. É o show mais potente e relevante do País.