O título da 35.ª edição do Panorama da Arte Brasileira do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM) foi inspirado num texto do crítico e professor de literatura Roberto Schwarz, “Nacional por Subtração”, publicado em 1986. Só que, no lugar de subtração, o curador da mostra, Luiz Camillo Osório, escolheu o termo multiplicação. A exposição, que será aberta nesta terça-feira, 26, às 20h, no MAM, ganhou, então, o título Brasil por Multiplicação, pois Osório entende a identidade nacional como o “acúmulo de camadas superpostas”. Uma geleia geral, enfim, como definiram os tropicalistas que, inspirados pelo Manifesto Antropofágico (1928) de Oswald de Andrade, viram essa questão não como subtração em busca de uma essência, mas multiplicação identitária.
Assim, o que não falta nesse Panorama é a deglutição da cultura do “outro”. Há artistas descendentes de tribos indígenas como o povo HuniKuin, do Acre, coletivos formados em comunidades carentes como o Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, e, naturalmente, artistas consagrados do circuito, como o cineasta cearense Karim Aïnouz (Praia do Futuro), o paraibano José Rufino, a carioca Fernanda Gomes, a gaúcha Romy Pocztaruk e os paulistas Ricardo Basbaum e Dora Longo Bahia, entre outros 19 artistas/grupos selecionados por Luiz Camillo Osório, que também se inspirou num texto seminal de Hélio Oiticica publicado há meio século, “Esquema Geral da Nova Objetividade” (1967).
Nova Objetividade não era um movimento dogmático como foi o cubismo, defendia Oiticica, definindo-o, antes, como uma constatação das tendências múltiplas da arte contemporânea do Brasil. Em todos os movimentos inovadores brasileiros, no entanto, até mesmo o modernista de 1922, existiria, segundo Oiticica, uma “vontade construtiva”. Dela nasceram, dizia ele, os movimentos concretos e neoconcreto e a nossa arquitetura moderna. O curador do Panorama lembra que esse texto de Oiticica foi escrito num momento “politicamente tenso” – o da ditadura militar -, mas que as seis características da arte brasileira nele apontadas (entre elas a vontade construtiva) “continuam válidas até hoje”. E, por serem atuais, elas reverberam no Panorama.
Oiticica também aponta a participação (corporal, tátil, semântica) do espectador como uma dessas características. Pensando nela, Camillo Osório programou para a abertura da mostra uma performance de Ricardo Bausbam, que comanda uma leitura coletiva cujo resultado é um diagrama desenhado na parede da Grande Sala – a mostra ocupa vários espaços do museu, incluindo o corredor, a sala Paulo Figueiredo e a “estufa” de vidro onde mora a aranha de Louise Bourgeois, agora ocupada por uma instalação do carioca João Modé (uma microfloresta com uma escultura neoconcreta de Willys de Castro).
Pensar a arte fora do seu campo disciplinar, misturando cinema, dança, arquitetura e outras manifestações culturais, para o curador Camillo Osório, significa colocar em confronto realidades distintas como a histórica miséria do País e o sonho de virar uma potência atômica. Assim, a produção fotográfica do coletivo da Maré, que mostra o panorama desolador de uma favela carioca, é o contraponto do cenário futurista das instalações internas das usinas de Angra em fotografias inéditas da gaúcha Romy Pocztaruk.
Releituras das obras que circulavam no Brasil na época da Nova Objetividade também fazem parte desse panorama, como a performance que o carioca Wagner Schwartz faz na abertura da mostra, na terça. Chama-se La Bête (A Fera). Nela, Schwartz transforma-se num “bicho” (peça articulada de metal) de Lygia Clark, amiga e interlocutora de Oiticica – ambos abandonaram a bidimensionalidade da pintura em troca de experiências radicais com o corpo e o ambiente.
Entre os destaques deste Panorama, a paulistana Dora Longo Bahia comparece com uma videoinstalação inédita comissionada pela bolsa de fotografia da revista Zum, do Instituto Moreira Salles, em que coloca frente a frente uma queimada na Amazônia e o degelo na Patagônia, fenômeno testemunhado por dois meninos, um brasileiro e um argentino, vestidos como jogadores de futebol e alheios ao descompasso entre vontade construtiva na arte e degradação ambiental.
A ausência de formas mais tradicionais de expressão artística (pintura, escultura etc) não deve ser vista como resposta à hegemonia do circuito mercantil. O Panorama da Arte Brasileira, esclarece Camillo Osório, “acontece fora desse circuito e lida com a expressão poética”. É o caso da instalação de Fernanda Gomes, que evoca os penetráveis de Oiticica e remete ao projeto construtivo, ou da pesquisa iconográfica do paulistano Leandro Nerefuh, que conta uma breve história da banana na arte, reunindo de Gauguin a Antonio Henrique Amaral. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
35º PANORAMA DA ARTE BRASILEIRA
MAM. Parque do Ibirapuera, portão 3. De 3ª a dom., 10h às 17h30. R$ 6 (sáb., grátis). Abre terça, 26, às 20h.