Aos 11 anos, enquanto cursava a 5ª série, Susan Souza queria ser poeta. Percebia a facilidade de escrever sobre si – há um livrinho daqueles publicados pelas escolas com os escritos dos alunos para provar isso. Tão jovem, ela entendia a força do que é sonhar. E sonhou. Aos 17, a poesia já estava ligada à atração pela música. Nas vésperas de se inscrever no vestibular, Susan Souza deixou violão (instrumento comprado pelo pai nos anos 1980, mas nunca tão usado por ele) de lado. Mais repousado do que no seu colo.
Quis a música, mas o tempo era outro. Viveu o que havia para ser vivido. Tornou-se jornalista porque era a maneira de estar mais próxima da arte que tanto a encantava. Compunha eventualmente, mas entre plantões, horas a mais de trabalho e rotina quebrada, via para aquela Susan, de 17 anos e violão no colo, com a distância imposta pelo tempo. Longe, apagando-se da memória.
Sete anos depois de começar a trabalhar em uma redação, deixou-a pela última vez. O dia derradeiro em uma delas, quando trabalhava no portal IG, foi durante o Natal de 2014. A transformação tinha início. “Não poderia largar o trabalho e já começar a viver a música”, conta.
Três anos e alguns trabalhos temporários depois, ela é o que sonhava ser. Assumiu o nome de Cinnamon Tapes e, com ele, lança Nábia, o primeiro álbum da carreira. Aos 33 anos, o dia chegou. O disco em mãos, produzido por um dos músicos que lhe ajudou a construir a própria bagagem musical. Nábia, publicado pelo Balaclava Records, tem a assinatura de Steve Shelley, guitarrista da barulhenta banda de indie nova-iorquina Sonic Youth, findada em 2011 – com gravações no estúdio dele, nos EUA, em abril de 2016 e fevereiro de 2017.
“(A transição) foi uma das coisas mais difíceis que eu já fiz na vida”, conta Susan. “Porque para me aceitar na música era preciso me aceitar também. Tive que passar por alguns processos para chegar até aqui.”
A Susan de 11 anos escrevia sobre si. A Susan do hoje, também. A alma de criança, cristalina, coloria a luz que passava por ali. Impossível manter a luminosidade, contudo. Nábia, o disco, adentra em locais mais sombrios. Para ser capaz de expor temas tão pessoais, Susan criou Nábia, a personagem – nome inspirado em uma deusa das águas da cultura céltica e, por muito tempo, o nome usado por Susan no ICQ, o programa de mensagem instantânea via internet de sucesso no Brasil nos anos 2000.
Com o escudo que a arte cênica lhe propõe, Susan faz um mergulho por uma alma quebrada. Sua voz grave carrega a melancolia de versos por vezes em inglês, noutras em português. Por vezes, até soa como Kim Gordon, vocalista do Sonic Youth, principalmente em canções mais sussurradas, como em Cinnamon Sea, a penúltima do álbum. Com o próprio Shelley na bateria, ela não se apressa ao apresentar quem é.
Vai, vagarosa, caminhando como essa personagem que deixa, aos poucos, o oceano em direção à costa. Skull, com letra em inglês, é definitiva: “Quando digo que estou bem, eu minto / Quando digo que eu te perdoo, eu minto / Quando eu sorrio no escuro, eu minto / Quando eu cuido de mim mesmo, você mente”. É tudo pessoal ali, em uma jornada de autoconhecimento, empoderamento, do feminino, do renascimento.
A Susan de 17 anos se impedia de sonhar com a música. A Susan de 33 anos, enfim, conseguiu. “Diria, a mim mesma, para ter paciência e carinho por si”, diz Susan. “Mas como pedir paciência por alguém de 17 anos?”, brinca. A Susan de 11 anos queria ser poeta para poder sonhar. A Susan do hoje, enfim, pode sonhar. Com poesia e música.
CINNAMON TAPES
Estúdio Lâmina. Av. São João, 108, Sala 41, Centro, tel. 3228-6815. Dia 13 (6ª), às 22h. R$ 25.
Abertura: Rimas & Melodias
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.